O episódio “O homem obsoleto”, da segunda temporada de Além da Imaginação, conta a história de uma sociedade que julga seus cidadãos a partir de sua utilidade produtiva. Quem não tem uma função social clara, que ajude na progressão da nação, é sentenciado a uma morte televisionada e aplaudida pelo público.
Escrito por Rod Serling, o capítulo mostra o julgamento de um bibliotecário interpretado por Burgess Meredith. Nessa distopia, livros, crenças e pensamentos que desafiem o status quo são considerados perigosos. O conhecimento é permitido apenas aos tecnocratas, que atuam na preservação de um Estado autoritário e excludente.
Quando criou Além da Imaginação, Serling queria um veículo para discutir a sociedade em que vivia sem precisar enfrentar a censura e a pressão dos estúdios. Daí vieram histórias como “As pessoas são iguais em qualquer lugar”, “O monstro da Rua Marple” e “A beleza está nos olhos de quem vê”. O mais curioso é que, mais de meio século depois de terem sido exibidos, boa parte desses enredos continuam atuais.
Embora não sejam do gênero de horror, essas histórias são bem horríveis por mostrar até onde podemos ir enquanto sociedade.
“O homem obsoleto” é particularmente incômodo diante do nosso cenário político no país. A presença de um governo que privilegia a ignorância ao saber, que considera a história, a literatura e a arte como supérfluos encontra ecos em projetos que estão no boca a boca de alguns dos nossos conhecidos. Não por acaso, esses mesmos sujeitos adotam o ódio como discurso, enxergando a si mesmos como portadores da verdade em busca de um mundo melhor.
Serling passou a vida escrevendo sobre o pensamento totalitário. O próprio Além da Imaginação tem diversas alegorias ao nazismo alemão e ao socialismo russo. A ficção era sua maneira de fazer o público pensar sobre essas questões longe das salas de aula. A estratégia não era uma exclusividade do roteirista. George Orwell, Arthur C. Clarke e Ray Bradbury também usavam suas obras para debater o mundo que os cercavam. O último, inclusive, foi colaborador do programa durante os primeiros anos.
Essas narrativas, juntas, criaram um legado de produtos culturais que preveem nossa relação com o próximo a partir da tecnologia e da empatia. THX 1138 (1971), Equilibrium (2002) e o recente Equals (2015) discutem o mesmo tema, brincando com a ideia de que estamos perdendo um pouco da humanidade quando abandonamos as fontes de nossas emoções, como a arte, o credo e a capacidade de entender o próximo. São histórias que, embora não sejam do gênero de horror, são bem horríveis por mostrar até onde podemos ir enquanto sociedade.