Chegou ao fim, após cinco anos de veiculação, o programa Tá No Ar, o humorístico de maior repercussão na grade da Globo nos últimos anos. Sucesso inegável de crítica, a atração se encerra no auge, sem enfrentar a decadência, e promete deixar um legado importante na cartilha do humor nacional.
Mas quais as razões pelas quais Tá no Ar deu tão certo, e deve continuar gerando repercussão mesmo com seu final? Inicialmente, é preciso lembrar que a premissa do programa não é exatamente inédita: a TV que ri da própria TV já foi testada antes, na própria Globo. TV Pirata, exibido entre 1988 e 1992, e Casseta e Planeta, entre 1992 e 2000, já produziam paródias engraçadas das novelas da emissora e satirizavam os seriados da época.
Mas Tá no Ar, por meio da liderança do ator, redator e executivo Marcius Melhem, deu um passo a mais: conseguiu, a partir de muita negociação, a autorização da alta cúpula para referenciar outras emissoras em seus quadros. E não apenas para rir de suas atrações, mas sim, num movimento realmente raro, para homenageá-las. As reverências especiais se deram para programas como Chaves (relembrada em um dos esquetes mais icônicos de todas suas temporadas, a “Vila Militar do Chaves”) e A Praça é Nossa, que teve seu cenário remontado numa inspirada honraria feita ao seu apresentador Carlos Alberto de Nóbrega.
Arrisco então a dizer que, mesmo tendo como premissa básica a visita ao passado (a graça se dá, justamente, em reconhecer o diálogo dos quadros com momentos e formatos clássicos da televisão), Tá no Ar se colocou como um programa vanguardista que mudou as regras do jogo do humor televisivo. Seus frutos já são vistos – dentre eles, o próprio Zorra, reformulado após uma longa consultoria coordenada pelo próprio Marcius Melhem, que sofisticou seu humor e agregou crítica social num programa entendido coletivamente como desgastado e, por vezes, ofensivo.
Mesmo tendo como premissa básica a visita ao passado, Tá no Ar se colocou como um programa vanguardista que mudou as regras do jogo do humor televisivo.
Listo então o que acredito ser algumas das razões que consolidam o legado do Tá no Ar. Para começar, a própria perspectiva do diálogo com outras emissoras já traz ao programa um viés atualizado, ao entender que, num mundo em que as mídias são onipresentes, faz pouco sentido em pensar nas antigas rivalidades entre as empresas. A “conversa” com outros veículos parece ser um dos caminhos mais interessantes num contexto em que a audiência televisiva está dispersa e diluída em redes digitais. Se isso não estava claro até então (por muito tempo, a Globo evitou “emprestar” suas estrelas para que aparecessem em outras emissoras), Tá no Ar sinaliza finalmente uma compreensão sobre algo um tanto óbvio.
A atual dinâmica da televisão, “destronada” por outras mídias que operam em velocidade assustadora, foi, de fato, o mote do formato de Tá no Ar. Seus esquetes duravam poucos segundos (um quadro longo tinha cerca de dois minutos), fazendo que o espectador se mantivesse ligado na tela na TV pois, se dispersasse para o celular, já perdia a lógica. É uma estratégia duplamente inteligente: em primeiro lugar, porque tende a prender na TV um público naturalmente disperso; em segundo, porque facilita o compartilhamento dos quadros em redes sociais, facilitando a reverberação do programa para além de seu veículo de origem.
Tá no Ar ainda foi um importante marco na defesa de um humor de fundo político, que advoga a favor das causas que escolhe. Não por acaso, boa parte dos quadros marcou forte defesa às minorias (como no muito repercutido esquete “Branco do Brasil”, que zomba do privilégio dos brancos em oposição às opressões historicamente sofridas pelos negros) e bateu em grupos específicos, como no hilário quadro “Balada Vip”, que parodiava o colunismo social de Amauri Junior e ironizava as elites familiares de cidades como São Paulo.
Por fim, mas não menos importante. A sacada de mestre de Tá no Ar foi, em resumo, ter quebrado uma barreira crucial dentro da própria Globo, que não reconhecia a crítica a si mesma como uma boa forma de lidar com os “inimigos” (basicamente, toda a população brasileira, que ama e desconfia das mídias hegemônicas na mesma medida). A partir de Tá no Ar, a Globo passou a “fagocitar” toda a rejeição direcionada a seus produtos de forma bastante estratégica, numa perspectiva de leveza e, consequentemente, gerando um marketing positivo à emissora. Um dos principais personagens criados pelo programa, aliás, foi o “Militante Revoltado”, que simboliza exatamente a postura generalizada da ojeriza à grande emissora. Não por acaso, esta sacada da autocrítica acabou gerando um novo fruto: o quadro “Isto a Globo não mostra”, inserido dentro do Fantástico.
Perspicaz na proposta e eficiente em sua execução, Tá no Ar chega ao fim antes de esgotar seu formato e deixa no ar a expectativa pelos novos projetos envolvendo a dupla Marcius Melhem e Marcelo Adnet, junto com sua talentosa equipe. Só nos resta torcer para que não demore muito tempo para que isso aconteça.