Desde sua estreia, em 2016, 3% sempre deslizou por um terreno complicado. Enquanto a primeira temporada foi massacrada por boa parte da crítica, mas adorada pelo público, chegando a ocupar o segundo lugar como a série mais maratonada da Netflix no mundo, o segundo ano passou um tanto quanto despercebido. A produção mostrou certa melhora em sua segunda temporada, mas ficou a promessa de que uma terceira poderia acertar de vez. A terceira temporada, enfim, estreou no início de junho e também mostrou alguma evolução em relação a sua antecessora, mas novamente promete que uma possível quarta temporada seria o ideal. Agora eles vão acertar. Mas uma série viver de promessas e expectativas pode ser complicado.
Um ano se passou após os acontecimentos que vimos no fim da segunda temporada. Além de Maralto e Continente, agora existe uma outra comunidade, a Concha, concebida como uma alternativa. Fundada por Michele (Bianca Comparato) e Fernando (Michel Gomes), a Concha está agora estabelecida como um lugar onde todos são bem-vindos, até mesmo as pessoas do Maralto. Mas uma tempestade de areia catastrófica, juntamente com um mau funcionamento suspeito, destrói o suprimento de água e comida. Com a ameaça da fome, os moradores exigem um processo seletivo, ou seleção, para determinar quem merece ficar na Concha.
A pergunta que fica é: até quando vamos perdoar 3%?
Há um esforço válido para falar sobre meritocracia, utopia, mitos e liderança, algo parecido com o que vivemos no país hoje. Como de costume, a temporada apresenta um enredo bastante ágil, o que a faz extremamente “maratonável”. Com ganchos a cada episódio, que fazem a gente avançar na história facilmente, a série consegue trazer uma trama aparentemente engenhosa, que vai ficando mais complexa conforme os personagens vão tomando decisões um tanto quanto questionáveis.
Os roteiristas claramente tentam emular o que vimos no primeiro ano, como um novo processo, mas agora por motivos diferentes. A conclusão é bastante óbvia, mas não tira a diversão de assistir a uma espécie de Senhor das Moscas tecnológico, em que analisamos que mesmo as pessoas de bom coração acabam mudando quando tem o poder nas mãos ou quando precisam pensar individualmente. A temporada também quebra um pouco narrativa, iniciando já com uma situação já estabelecida para entendermos tudo apenas no decorrer da temporada, além de abrir o leque de possibilidades de histórias futuras para os personagens.
As atuações dos jovens continuam as mesmas, dando a impressão de que a série é um laboratório de atores principiantes, um teatro-escola, embora vejamos melhora em Bianca Comparato e sua personagem Michele. A grande evolução reside em Joana (Vaneza Oliveira), que acaba assumindo o protagonismo da temporada, ainda que tome as decisões mais idiotas da série e force a barra em diversas caras e bocas, culpa, talvez, do texto mal construído.
Marcela (Laila Garin) continua brilhando como uma ótima vilã, conseguindo transitar entre o caricato e debochado, além de ganhar tempo na tela com Ney Matogrosso, em uma participação curta, mas comovente. Já Rafael (Rodolfo Valente) acaba aparecendo mais do mesmo, com sua voz baixa e pausada, passando boa parte da temporada irritadinho e bêbado por causa do rumo que sua vida tomou, além de protagonizar um romance chato com Elisa (Thais Lago).
O grande destaque fica para Fernanda Vasconcellos, que interpreta uma das fundadoras do Maralto. Fazendo milagre com um texto extremamente expositivo, Vasconcellos tem um poder de atuação absurdo, especialmente quando sua personagem toma uma decisão extremamente complicada envolvendo sua filha e o processo. Outro acerto é Gloria (interpretada por Cynthia Senek, que segura bem a personagem), talvez a mais complexa de toda a série, ainda que ela se transforme rápida demais em uma inimiga implacável e cega por vingança.
Eu sou daqueles que defendem 3%, mas eu deliberadamente fecho os olhos para muita coisa. É um pouco indesculpável a construção de certas coisas no roteiro, que parecem sair de mentes extremamente ingênuas. As soluções são feitas de maneira risível, como aquela vista no último episódio envolvendo uma gravação e uma revelação aparentemente bombástica.
O roteiro força a mão numa solução fácil e que deixa a metade dos personagens extremamente mal elaborada. Uma hora eles assumem determinada personalidade, para na próxima cena mudarem de comportamento sem o menor cuidado. Os diálogos continuam sendo a pior coisa da série, com falas que não parecem reais ou que só estão ali para resolver algo na cena. Outro problema é a impressão de que a série anda em círculos, mudando algo aqui e ali para criar uma trama interessante, mas que no final acaba do mesmo jeito que começou.
Ainda assim, mesmo derrapando feio, 3% tem ritmo e uma história que nos mantém vidrados, mesmo parecendo uma grande novela ruim da Record. Desde o começo, a série sempre passou a sensação de ser uma ótima ideia com uma execução meia boca, mas nós sempre vamos perdoando, na esperança de que as coisas de fato melhorem. A pergunta que fica é: até quando vamos perdoar 3%?