Letícia Novaes parece estar no seu auge. Ainda assim, a cantora chora. Há, no entanto um confronto encarado como natural. “Ou a gente chora ou a gente sua”, canta em “Déjà-Vu Frenesi”, faixa que abre Letrux Aos Prantos, seu segundo disco de inéditas, lançado neste mês de março.
Talvez o álbum possa ser entendido como um anticlímax (com o perdão do trocadilho) do aclamado Letrux em Noite de Climão. Enquanto sua estreia solo era uma catarse na pista, Letrux Aos Prantos leva o efeito catártico para a cama. Porém, engana-se quem pensa que o registro dedica-se à fossa. Há um cinismo latente escondido nas composições, escritas entre 2018 e 2019. Se não há espaço necessariamente à melancolia, Letícia leva o ouvinte para uma espécie de ressaca amorosa, como bem definiu Mauro Ferreira (G1).
A diferença é que essa ressaca é muito mais suntuosa que o próprio baile do qual ela é resultante, uma espécie de lisergia na qual estamos todos mergulhados. “Eu estou aos prantos, quem não?”, aponta. E se há uma imagem que melhor reflete os tempos sombrios que vivemos – anterior ao coronavírus e que tem o obscurantismo no poder como consequência – é a prostração que a cantora apresenta em “Vai Brotar”.
Letrux Aos Prantos é um álbum atual, pois nos pega em um momento de fragilidade, nos evoca uma reflexão nestes instantes de tantas transições.
Novaes afirma que ficamos cínicos com o tempo. Ou terá sido ela? Afinal, a obra é fruto de um retorno da artista à análise, como contou em entrevistas. Seria um jogo de espelhos? Seria esse disco mais denso, soturno e de estética e sonoridade mais retrospectivas o despertar de um pesadelo, ainda que metafórico? Se o delírio é coletivo, a expurgação de fantasmas também pode ser comunitária.
Tudo é simbologia nesse tarô musical de Letrux, que é Letícia, que é todo mundo ao mesmo tempo que é apenas ela, numa sequência de encontros e desencontros, de haver desejo sem haver busca (“El dia que no me quieras”). Pode ser esse esparramar numa cama bagunçada, de lençóis sujos de maquiagem, suor, gozo. Pode ser o fato de que “não sobra nada pra guardar” (“Contando Até Que”).
Letrux Aos Prantos é um álbum atual, pois nos pega em um momento de fragilidade, nos evoca uma reflexão nestes instantes de tantas transições. Isso reforça toda e qualquer simbologia que Letícia Novaes tenha criado para o registro, ao passo que amplifica essa depuração musical.
Aos Prantos e Noite de Climão não são antagônicos. Tampouco são extensões. São empreendimentos independentes, retratos específicos de etapas da vida da artista, que também são a maneira que o ambiente impacta sua forma de fazer música. Por isso, não é exagero afirmar que Letrux está no auge, capaz de criar canções distintas que ecoem de modo específico para o tempo em que foram lançados.
Suponho, então, que estejamos todos, sem exceção, nesse vai e vem emocional, tão bem representado pelas diferenças dos argumentos de um LP e outro. Aproveitemos, pois, esse pranto artístico, na espera de onte Letrux nos levará para viver uma outra catarse.
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