Foi por acaso que comecei a acompanhar a história de Sybil Varuna, uma adolescente sobrevivente de Kali, em A Ilha dos Dissidentes. No livro, a adolescente é vítima de um desastre em alto-mar quando Titanic III, o navio em que estava, afunda. Por ser a única sobrevivente, Sybil descobre que é uma anômala – já que vive graças aos poderes até então desconhecidos.
Capturada e interrogada pelo governo, Sybil passa a se afundar cada vez mais em intrigas políticas, tão comuns às distopias juvenis, como Jogos Vorazes e Divergente. O livro, escrito por Bárbara Morais e publicado em 2013 pela editora Gutenberg, faz parte da trilogia Anômalos. Bárbara é uma autora nacional com contos publicados em antologias como Todo mundo tem uma primeira vez e Aqui quem fala é da Terra.
A trilogia Anômalos é seu primeiro trabalho de mais fôlego. Nela, conhecemos um mundo marcado pela guerra entre a União e o Império do Sol. O conflito é mundial e nenhuma das regiões que nós conhecemos é neutra. A já citada cidade de Kali, por exemplo, é uma cidade paupérrima e bélica, de onde Sybil foge antes de ser cooptada pelo exército (sem deixar de ressaltar que, por mais rico e interessante que seja o universo, a visualização geográfica fica truncada e um mapa seria muito interessante).
Esse conflito de 300 anos entre as duas facções também é o responsável pelas mutações e poderes. Como Sybil nos explica, “quando as regiões da União foram atacadas com armas química pelos dissidentes, os habitantes do Império do Sol, a resposta foi com armas nucleares. A teoria mais aceita é que a mistura dos dois com a tempestade solar mais forte dos últimos milênios causou algum tipo de anomalia em humanos de várias regiões”.
Não é por acaso que essa mutações nos lembram as histórias dos X-Men. Alguns dos elementos presentes em certos arcos do quadrinho são percebidos também no livro.
Não é por acaso que essa mutações nos lembram as histórias dos X-Men. Alguns dos elementos presentes em certos arcos do quadrinho são percebidos também no livro. Em primeiro lugar, a segregação entre os humanos e os mutantes. Bárbara traz muitas imagens reconhecidas na história mundial das campanhas totalitárias, como as propagandas nazistas ou a segregação do apartheid, e cria-se um paralelo com o mundo de Sybil: os anômalos são obrigados a viver separados da população humana, sempre usando peças amarelas que denunciam sua condição. Além disso, para transitar fora de suas cidades é preciso ser autorizado — em algumas lojas a presença de anômalos é proibida. Também são vigiados e regulamentados pelo governo e coisas do tipo.
Outra questão que surge é do ambiente escolar enquanto espaço narrativo. É o lugar onde adolescentes desenvolvem seus poderes e retomando parte da sociabilidade retirada. Soma-se às possibilidades de sociabilização a preocupação em apresentar uma diversidade de performatividades possíveis. Ainda que o primeiro volume da trilogia deixe as personagens com pouca profundidade, é possível ver famílias não nucleares, etnias e orientações sexuais variadas, pais que são dragqueens e personagens cegos que desafiam discursos capacitistas, por exemplo.
Por fim, um último paralelo entre o quadrinho e a trilogia também me parece visível na conclusão do primeiro volume. Quando Sybil se vê em um beco sem saída, um “agente” vem em sua defesa e a empurra para um conflito político que ecoa questões vistas em Jogos Vorazes, mas que também pode ser algo entre Xavier e Magneto: a superioridade dos anômalos em relação aos humanos, que tanto os reprimiram, contra a visão pacífica de uma sociedade em que todos podem viver em harmonia.
Bárbara usa das histórias de mutantes para retomar questões de convivência em nosso mundo e a discussão desse problema parece se tornar cada vez mais necessária.
A ILHA DOS DISSIDENTES | Bárbara Morais
Editora: Gutenberg;
Tamanho: 304 págs.;
Lançamento: Agosto, 2013.