Em toda a sua carreira literária, Philip Roth (1933 – 2018) – talvez o mais injustiçado em termos de Nobel – escrutinou a vida familiar norte-americana por meio de Nathan Zuckerman, seu alter ego e personagem mais frequente em seus livros. O italiano Domenico Starnone caminha pelas mesmas veredas, explorando os pontos nevrálgicos de uma moral em suspenso e contrapondo os valores que ainda dão o tom de uma nação que flutua entre a vanguarda e o conservadorismo.
Segredos, o livro mais recente de Starnone no Brasil, destrincha a intimidade das relações entre um renomado professor e sua aluna mais brilhante. Colocando luz sobre os tabus que rende o assunto, o escritor apresenta o desequilíbrio que existe no jogo de ideias e nas armadilhas intelectuais – capazes de seduzir tanto quanto uma femme fatale. A beleza da união entre mestre e pupila rui assim que segredos são revelados apaixonadamente. À sombra da razão, ambos tomam consciência que é, praticamente, impossível manter o romance.
Starnone constrói, sadicamente, a novela sobre as ruínas de Pietro e Teresa, transformando o amontoado de escombros sentimentais em matéria-prima uma trama que, apesar de suas fragilidades e acidentes narrativos, consegue tocar feridas abertas. Em simultâneo à nostalgia que Segredos emana – seja pelos personagens que incrustados no passado ou pela incerteza de um futuro melhor que recai sobre quem escreve e sobre quem lê –, Starnone propõe uma crítica à educação italiana que, a despeito dos casos exitoso de Reggio Emilia, por exemplo, parece tão desastrosa e castradora como a que testemunhamos no Brasil.
Starnone constrói, sadicamente, a novela sobre as ruínas de Pietro e Teresa, transformando o amontoado de escombros sentimentais em matéria-prima uma trama que, apesar de suas fragilidades e acidentes narrativos, consegue tocar feridas abertas.
A literatura de Starnone é atenta, sagaz àquilo que nem sempre chama a atenção, mas que, graças a essa invisibilidade, parece guardar algo valioso. Ao contrário de Laços e Assombrações, que junto a Segredos formam uma espécie de trilogia simbólica e partem do núcleo familiar para entender a perímetro externo, agora Starnone faz o caminho inverso e busca o reflexo do meio sobre o sujeito. Parte da estratégia, é claro, se dá na perspectiva da educação, mas a novela se desdobra para além, apresentando um jogo de cena inteligente – ainda que um tanto óbvio – de um homem colapsado pelas derrotas que já acumulou na vida.
Experiência íntima
Nessa equação de medo e arrependimento, não pode haver outro resultado senão a apatia – que flui como um rio sem foz. Por isso, espanta a polifonia do texto, que parece uma contradição à experiência íntima de Pietro, narrador da primeira parte, tal qual compartilhasse com outrem aquilo que só pode ser dele: a solidão compulsória e as memórias esculpidas.
E ao colocar as vozes de Emma, filha do protagonista com Nadia – uma professora do ensino médio, amargurada e que vaga entre a superproteção e o vazio –, e Teresa, Starnone deixa uma impressão de incompletude, de uma história que se perde dentro de si mesma. Ao propor esse espelhamento, Starnone oferece ângulos que se somam, mas que não suficiente para compor uma imagem suficientemente nítida e deixam o leitor à deriva.
Segredos é um livro corajoso e interessante, entretanto, se perde na tentativa de criar um axioma das contradições e das deformidades que demonstram que, mesmo com todos os progressos, vivemos como se estivéssemos no século passado.
SEGREDOS | Domenico Starnone
Editora: Todavia;
Tradução: Maurício Santana Dias;
Tamanho: 152 págs.;
Lançamento: Junho, 2020.