Ao debater a essência do horror em seu livro Dança Macabra, Stephen King afirma que o gênero deve muito à Frankenstein, romance de Mary Shelley publicado originalmente em 1826. Como todos sabem, a obra conta a história de um cientista, chamado Victor Frankenstein, que cria um monstro feito de pedaços de corpos que roubou do cemitério.
No cinema, a criatura se popularizou com as feições de Boris Karloff. O ator encarnou com perfeição o ser, que abandonado de propósito, vaga pelo mundo e mata sem consciência do que está fazendo. Vide a trágica cena em que ele joga uma criança no lago, na expectativa de que ela boie como uma flor.
Para King, o monstro de Frankenstein é uma representação desse personagem do horror que age como um animal e que está longe de ser a encarnação do mal. Trata-se de uma personagem pela qual podemos ter empatia. A criatura do romance de Mary Shelley é como King Kong (1933), Godzilla (1954) e os dinossauros de Jurassic Park (1994). A mera existência deles os torna uma ameaça ao ser humano.
Pensar o monstro como uma grande metáfora para o outro, que destrói por não compreender o mundo em que vive, é uma boa chave para interpretá-los. O cineasta Guillermo del Toro defende sua obra nunca julga uma monstruosidade como “boa” ou “má”, mas como um símbolo de poder, que abala a confiança dos seres humanos.
Pensar o monstro como uma grande metáfora para o outro, que destrói por não compreender o mundo em que vive, é uma boa chave para interpretá-los.
No filme A Forma da Água (2017), o diretor mexicano coloca em xeque o conceito de monstruoso e de belo, contrapondo a homem-anfíbio, vivido por Doug Jones, ao homem de bem, interpretado brilhantemente por Michael Shannon. Ali, a criatura é sedutora e o ser humano, uma ameaça.
Ao revisitar o próprio romance em um relançamento, o escritor Peter Benchley revela que, após a publicação de Tubarão (1974), acabou se tornando um ativista em defesa dos tubarões brancos. Isso porque o livro e o filme de Steven Spielberg, de 1975, transformaram o peixe no grande vilão dos oceanos, colocando a espécie sob risco e difundindo informações falsas.
No plano mais simples de análise da narrativa concebida originalmente por Benchley, o tubarão que ataca Amity é apenas um animal com fome. Quem se comporta de forma vilanesca são o políticos e empresários que forçam a barra para que as praias continuem abertas para receberem turistas.
Em alguma medida, as tramas de Tubarão, Godzilla e até mesmo King Kong evocam um medo ancestral do ser humano de que uma fera atrapalhe sua própria segurança. Nossos antepassados precisaram lidar com a constante ameaça de predadores, que atacavam no meio da noite e poderiam estar sempre à espreita.
Não raro, o monstro é uma ameaça porque está tentando fugir da humanidade. Em Gorgo (1961), um lagarto gigante destrói Londres apenas porque precisa chegar até o filhote, sequestrado por marinheiros que o vendem a um circo. O gorila Joe, de O Monstro de um Mundo Perdido (1949) e Poderoso Joe (1998), arrasa com o lugar em que vive para proteger a amiga e fugir da opressão provocada pelos que o cercam. Em A Revanche do Monstro (1955), o monstro da Lagoa Negra mata para fugir de um parque aquático.
Em todos esses casos, a ameaça surge também da nossa incapacidade de respeitar o espaço dessas criaturas. De compreenderem que elas estão apenas sobrevivendo e estão, muitas vezes, confusas com o que as cercam. Como a criação de Frankenstein no romance de Mary Shelley.