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Home Crônicas Alejandro Mercado

Não Te Deixarei Morrer, Giovana

porAlejandro Mercado
3 de julho de 2015
em Alejandro Mercado
A A
Crônica Alejandro Suicídio

Ilustração: Bridge of suicide.

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“E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre”.

Tive a certeza que Miguel Sousa Tavares escreveu o trecho acima em Não Te Deixarei Morrer, David Crockett pensando em minha amizade com Giovana. Esta não foi algo mágico, rápido e instantâneo. Ela não era uma pessoa tão fácil de se relacionar. Nascida em Monte Mor, interior de São Paulo, Gi, como carinhosamente a chamávamos, não era muito alta. Com pouco mais de um metro e sessenta de altura, tinha voz estridente, era absurdamente atabalhoada e, como boa descendente de italianos, falava alto e gesticulando com as mãos e braços.

A personalidade de Giovana era muito diferente de tudo que tinha visto na vida. Ela pouco ou quase nada se importava em agir conforme a ocasião e justamente isto a tornava um tanto caricata. Muito verdadeira, transparente e honesta – como ela mesma me disse um número infinito de vezes -, Gi dividia sua vida entre shows de música sertaneja, a paixão por roupas e acessórios e uma fixação sem tamanho em colocar silicone nos seios.

Sempre gostou de envolver-se com a vida das pessoas (sem necessariamente se pôr a fofocar), dos problemas mais simples às dificuldades mais desafiadoras e, por isso, pagava com a língua, metaforicamente falando, por sua intempestividade. Expunha sua vida aos que considerava mais chegados e, vez ou outra, até aos não tão chegados. Amores, desamores, brigas familiares, decepções e frustrações cotidianas eram sempre compartilhadas nas rodas de colegas entre um cigarro e outro. A maioria das pessoas se incomodava, só ficava difícil entender se com a postura, com seus trejeitos ou com a presença dela. Foi, aos poucos, tornando-se motivo de piadas e chacotas nas mesmas rodas em que se desnudava semanalmente.

As divisões de grupo para os trabalhos da faculdade viraram um deus nos acuda. Nossa turma de amigos, representada por cerca de 15 a 20 pessoas que sentavam lado a lado nas aulas, corria para que cada fragmento não necessitasse incluí-la. Giovana era transformada a cada trabalho em um corpo estranho e nós, esse sistema imunológico distorcido, os responsáveis por seu isolamento. Perdi a conta de quantas vezes ela entre lágrimas me pedia que não a deixasse fazer trabalho com algum “desconhecido”. Atendi muitos de seus pedidos, boa parte deles contrariado, que seja dita a verdade.

“Passamos muitas noites trocando figurinhas, muitas delas sobre nossa desesperança com a vida e sobre Bupropiona, Clonazepam, Diazepam, Fluoxetina e Sertralina.”

Durante quatro semestres fomos levando as coisas assim, fugindo todos dela e eu, sempre que possível (e como forma de aliviar minha consciência), a acolhendo. No início do quinto semestre decidi que não a acolheria mais. Era maldoso isolá-la, porém, nunca se esforçou em ser uma boa aluna. Ou seja, as coisas iam além da personalidade difícil. Entre um trago e outro, me confidenciou muitas vezes que não sabia por que fazia Publicidade e Propaganda. Seu verdadeiro sonho era… uma incógnita.

Giovana mudou de repente. Sua pele branca foi, com o passar dos dias e semanas, tornando-se pálida. A voz não soava mais tão estridente, o sorriso se fechava. Passou a viver magoada, não mais escondendo as cicatrizes pessoais debaixo de quilos de maquiagem. Chorava frequentemente, sempre questionando suas escolhas e sua função no mundo. Em algumas semanas foi diagnosticada com depressão, diagnóstico que talvez a tenha acertado com a força de mil socos. Um episódio ocorrido em uma rede social selou a sua ruptura com o curso e com boa parte dos colegas. Foi a primeira vez que a perdi.

Ao término da faculdade eu não tinha um emprego fixo, por isso, ficava acordado até tarde assistindo a seriados, conversando com amigos, bebendo e fumando. O sofá se tornava um monstro destes de sonhos de criança, que tomam vida e te engolem. Me olhar no espelho era um desafio diário, do qual saía, na maioria das vezes, derrotado. Do quarto já não queria mais sair, apavorado e com medo do mundo lá fora. Peguei asco da luz do sol e, então, passei a trocar o dia pela noite. Em menos de 6 meses, perdi quase 30 quilos, 10 a mais do que havia ganhado no último ano de faculdade. Demorei a admitir que havia algo de errado.

Foi esse o cenário propício para que Giovana e eu reatássemos nossa amizade. Passamos muitas noites trocando figurinhas, muitas delas sobre nossa desesperança com a vida e sobre Bupropiona, Clonazepam, Diazepam, Fluoxetina e Sertralina. Nomes que iam se acumulando na gaveta de remédios e em nossos diálogos. Assisti a Gi ser consumida, aos poucos, por seus fantasmas, tristezas, angústias, medos e incertezas. Ela, que nunca foi gorda, perdeu muito peso. Eu, que remava na direção contrária, passei a ser um misto entre amigo e diário secreto.

Como ela não saía de casa e não permitia minha visita, não conseguia vê-la pessoalmente, forma que eu acreditava ser mais eficaz para arrancá-la dessa escuridão particular. Fazia o que estava ao meu alcance. Conversas até às 5h da manhã, indicações de livros, seriados, filmes e músicas. Giovana parecia se cansar de mim e da minha amizade tão alopática. Sumiu do Skype e do Facebook. Perdi-a pela segunda vez.

Havia algo de curioso quando ela tornou a me procurar. Acontecia a cada 4, 5 dias, sempre após à meia-noite e ela é quem decidia os tópicos da conversa, normalmente sendo minha vida o tema. Me esforçava em não reclamar de nada, pois acreditava que não faria bem a ela saber de minhas tristezas, minhas lamentações. Nunca perguntei se queria saber, apenas fingi (muitas vezes) que tudo corria maravilhosamente bem.

Em dezembro de 2011, estava passando as festas de final de ano com meus familiares em São Paulo. Perto das 18 horas, noto pouco mais de 100 ligações em meu celular. Todas de um mesmo número. Todas de Giovana. Todas minhas tentativas são direcionadas diretamente à caixa postal. Envio um SMS questionando se havia algo errado. Estranhei, é claro, mas imaginei que pudesse ser algo relacionado ao Natal ou mesmo ao meu aniversário, que seria poucos dias depois. Dia 02 de janeiro de 2012, por volta das duas da madrugada, uma mensagem via rede social de um amigo em comum entrega as linhas mais terríveis que li nestes mais de trinta anos de vida.

Perdi a Gi pela terceira e definitiva vez, ainda que, ao longo dos últimos três anos, ela ainda visite meus sonhos, minhas manhãs, tardes e noites. Hoje não me sinto mais culpado pelo acontecido, mas ainda lamento minhas limitações. Comigo caminha a Giovana que amei, a amiga que se afastou, todos os dias felizes que se apagaram.

Tags: Crônicasextasuicídio

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