“Faz tudo o que sente
Nada do que tem é seu
Vive do presente
Acende a vela no breu”
Paulinho da Viola
Se por um acaso alguém, em qualquer canto perdido desse Brasil despedaçado, pensou que o novo ano traria em seu despontar consolo ou morada, esse alguém já deve ter trombado de frente com a realidade em alguma esquina escura e, de olhos marejados, aceitado o triste destino dessa nação deixada à deriva em plena tormenta.
O risco é iminente e seus braços de ferro não insistem apenas contra a cultura, tema dessa coluna, mas também contra a própria vida dos cidadãos brasileiros. Nada mudou em essência, infelizmente, e a prova disso, além do acúmulo de mortes e do desdém criminoso e omisso diante da pandemia, é o ataque rasteiro e absurdo protagonizado pelo secretário de cultura Mario Frias.
Assim, sem mais nem menos, o ex-ator e atual secretário barrou, de bate-pronto, sem justificativa plausível a não ser o seu próprio ódio e sua notável incompetência, patrocínios culturais já aprovados via Lei Rouanet, uma das mais importantes e comemoradas leis de incentivo à cultura do país.
“A ditadura pulou fora da política e como a dita cuja é craca é crica, foi grudar bem na cultura, nova forma de censura. Pobre cultura, como pode se segura, e mesmo assim mais um pouquinho e seu nome será amargura, ruptura, sepultura”
Itamar Assumpção
Porcaria na cultura tanto bate até que fura! Itamar Assumpção, Orfeu negro da fantástica Lira Paulistana e gênio indomável da música brasileira, não poderia imaginar que, mais de vinte anos depois do lançamento de sua obra-prima, Pretobrás, a cultura brasileira, antes festejada, sofreria um dos ataques mais violentos de sua história pelas mãos de um presidente eleito democraticamente.
O apagão cultural que tanto se anunciou desde o início do mandato do atual presidente se fez realidade de vez no início do ano de 2021, tendo como aliado, além da pandemia do Coronavírus, os serviçais governamentais.
Publicada no romper do primeiro dia do ano, às escuras, a notícia de que o Governo Federal não permitiria a captação previamente autorizada de uma série de projetos culturais contemplados pela Lei Rouanet caiu feito uma bomba no colo da população.
A ofensiva, que além de sucatear a arte brasileira tem o intuito de intimidar e censurar artistas, é apenas mais uma das muitas ações promovidas pelo governo que tem minado a produção e a independência de grupos e trabalhadores da Cultura.
Ao todo, mais de duzentas iniciativas que já tinham acertado recursos com a iniciativa privada ficarão sem aportes. A baixa representa uma agonia inexplicável. Não bastasse o atraso planejado na aprovação de projetos e a declaração de guerra feita no dia da posse, o governo Bolsonaro agora abre a sua bocarra para devorar, com gosto, o apoio pouco que restava.
Leis de incentivo, é bom lembrar, não são a realidade vivida pela maioria dos artistas brasileiros que, vide regra, labutam na incerteza tirando do pouco de hoje o nada de amanhã para continuarem firmes na luta inglória e necessária de produzir cultura em um território estraçalhado pela ignorância e movido pela ganância. Pobre cultura.