Meu pai de 82 anos foi vacinado contra Covid-19 na última quinta-feira. Como tem artrose severa em um dos joelhos, o que o impede de caminhar distâncias maiores, foi de carro até o Parque Barigui, ao chamado Pavilhão da Cura, onde o procedimento está acontecendo em regime drive-thru. Para chegarmos cedo, e não termos de esperar demais na fila, acordamos às 6 horas e, antes das 8, já estávamos a caminho. Foi um dia feliz, de esperança, em um momento bastante sombrio, cheio de incertezas.
Vacinar tornou-se, quem diria, neste Brasil de 2021, um ato político, de afirmação da vida, de defesa da ciência diante da arbitrariedade de um governo negacionista, indiferente ao seu povo, que morre aos milhares todas as semanas. Estar naquela fila, a esperar pela primeira dose da AztraZeneca, desenvolvida pela Universidade Oxford com insumo da Índia, acendeu uma luz, ainda que tímida, na escuridão de descaso em que estamos mergulhados no país.
Vacinar tornou-se, quem diria, neste Brasil de 2021, um ato político, de afirmação da vida, de defesa da ciência diante da arbitrariedade de um governo negacionista, indiferente ao seu povo, que morre aos milhares todas as semanas.
Havia no Barigui naquela manhã centenas de carros à espera do sinal verde da vacina. Podiam se ver, através das janelas, muitas delas fechadas, idosos com os rostos cobertos por máscaras, acompanhados em grande parte por filhos, netos ou outros parentes. Mas eles tinham os olhos à mostra. Como meu pai, esses homens e mulheres tinham expressões ansiosas, conscientes da importância de se protegerem contra o novo coronavírus, que agora em suas variantes prova ser também letal para a população mais jovem. Brasil afora, muita gente tem agido como se não houvesse amanhã, aglomerando em bares e festas, desafiando a biologia, desdenhando esse inimigo. O exemplo, afinal, vem de cima.
Meu pai, Roberto, mora sozinho há três anos e meio em um apartamento no Centro de Curitiba, desde que ficou viúvo. E há mais de onze meses tem evitado sair de casa, o que torna seu dia a dia mais solitário e repetitivo. Deixa o prédio apenas para ir ao médico e para cortar o cabelo e aparar a barba. Manter a boa aparência, para um leonino, é importante. Ou talvez seja uma desculpa: ele adora dar alguns dedos de prosa no salão que frequenta, a poucas quadras do edifício.
No dia da vacinação, Roberto ficou encantado com a beleza do Barigui, que não conhecia, ou não lembrava ter visitado antes – viveu em Curitiba nas décadas de 1950 e 60, fez visitas esporádicas ao longo dos anos, e sempre repete: “A cidade mudou muito!”, como se não reconhecesse. Disse que quando vê algo bonito como o parque, sente vontade de chorar, e depois de ser vacinado, já mais relaxado, pediu para retornar “quando tudo isso passar”. Falei que voltaremos em maio para a segunda dose, mas provavelmente não sairemos de novo do carro.
“Não faz mal. Teremos tempo”, respondeu. Espero que ele esteja certo.