A temporada de premiações da TV norte-americana costuma ser um bom radar do que de interessante tem sido produzido. Ainda que eu levasse a sério essa premissa, deixei passar em branco a primeira indicação de What We Do in the Shadows, série de humor da FX.
Levei três temporadas para ceder e, finalmente, conferir o que levava a crítica especializada nos Estados Unidos a se derreter em elogios à adaptação do longa-metragem de mesmo nome, da dupla Jemaine Clement e Taika Waititi.
Bastaram poucos episódios para entender, e esta é a razão que nos levará a escrever sobre cada temporada, de maneira a tratar com atenção uma série de comédia que consegue manter um nível de humor tão alto.
Um universo gótico em Staten Island
Esqueça a Transilvânia (ainda que ela eventualmente seja citada na série). Aqui, uma trupe bem delirante de vampiros vive em uma Staten Island contemporânea e, também por isso, sofre com o distanciamento da época em que realmente vieram ao mundo.
Nandor, Laszlo, Nadja e Colin Robinson parecem ser unidos pela inadequação. Cada um de um século e um lugar do mundo diferente, moram em um distrito de Nova Iorque e vivem juntos como em uma república estudantil. Para eles trabalha Guillermo, conhecido como “familiar”, um ser humano comum que devota sua vida a um mestre vampiro sem por ele ser mordido.
Nadja e Laszlo são casados, ela sendo a metade alpha do casal; Nandor sente-se solitário, e vive se enfiando em problemas quando tenta contornar esse isolamento; Colin Robinson é um tipo de vampiro diferente: ele não suga o sangue de suas vítimas, mas a energia. É, sem sombra de dúvida, o melhor personagem da primeira temporada. Impossível não enxergarmos nele algum conhecido notável por ser entediante.
Reinterpretação do poder sexual do vampiro e outras coisas
Guillermo é um personagem que nasce pequeno e ganha espaço no transcorrer dos episódios. Alimenta o desejo de que um dia seu mestre o transforme em um vampiro, enquanto possui uma tensão sexual mal resolvida com Nandor. Há, então, uma reinterpretação do mito vampírico, já que Guillermo é mais “viril” que seu mestre.
What We Do in the Shadows é mais engraçado por aquelas sequências absurdas serem com vampiros, e não porque é um humor de vampiros.
Na primeira temporada, ficamos cientes de que não estamos diante nem de seres imensamente poderosos e nem de palermas, mas algo entre um e outro. O conflito de gerações é um artifício que é utilizado com bastante ênfase nos 10 episódios que compõem o primeiro ano, por vezes quase soando como um teste de limites – isto é, o quanto consigo brincar com vampiros egocêntricos e seu deslocamento em uma sociedade de internet das coisas, viagens ao espaço e redes sociais.
Mockumentary é fundamental ao humor em ‘What We Do in the Shadows’
É certo que o formato mockumentary foi popularizado por The Office, que também elevou o sarrafo para o gênero de humor. Isto é, não basta estar diante de uma espécie de documentário sendo realizado no meio de um programa de humor, há premissas que envolvem o desconforto, a estranheza e uma pitada de seriedade.
Tudo isso está presente em What We Do in the Shadows, mas o show parece ir além. Há uma teatralidade impressa nas atuações do elenco que é sua grande sacada. Todos os personagens, sem excessão, trafegam entre o delírio, o drama e a autocomiseração.
Contudo, a série opta por fazer essa brincadeira com atributos mais clássicos das histórias vampirescas, e é nessa estética gótica que encontramos uma outra arma secreta da série. Esse deslocamento temporal é artifício na criação do desconforto e da estranheza típicas do formato e, por essa razão, de extremo valor para a narrativa.
Podemos dizer, então, que serem vampiros é mais um elemento nesse caldeirão de surrealidade e não a espinha dorsal sobre a qual o humor se estrutura. Ou seja, What We Do in the Shadows é mais engraçado por aquelas sequências absurdas serem com vampiros, e não porque é um humor de vampiros.
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