Terceiro livro da jornalista Sarah Vaughan, Anatomia de um Escândalo é seu primeiro best-seller, que lhe rendeu a venda dos direitos para a Netflix ainda em 2020, para uma minissérie de mesmo nome. Os 6 episódios foram ao ar no último mês de abril.
A depender da produção da gigante do streaming, o público vai se afastar da literatura da jornalista, tamanha fragilidade narrativa. Nem mesmo o elenco contando com Rupert Friend (de Hitman: Agente 47), Michelle Dockery (de Downton Abbey) e Sienna Miller (de Sniper Americano), ou seja, um trio com experiência, dá conta da problemática obra.
Miller interpreta Sophie Whitehouse, esposa de um político britânico muito próximo ao Primeiro Ministro, que se vê jogada no olho do furacão de um escândalo que envolve seu marido e coloca em xeque tudo que ela acredita que tenha sido sua vida e seu casamento.
Sophie, ao longo dos seis episódios, não apenas passa a enxergar em seu marido, James Whitehouse, as sombras que pareciam ocultas. Ela também coloca em perspectiva seu passado, especialmente suas atitudes, como se tentasse compreender como tudo chegou onde está. A revelação do suposto estupro cometido pelo marido é, também, um mergulho em seu próprio passado.
O ritmo frenético e os diálogos bobos compõem um cenário pouco crível. Tudo é muito forçado. É possível entender a ideia de David E. Kelley e Melissa James Gibson, criadores de Anatomia de um Escândalo, já que na mente de Sophie o que ela vivia era um conto de fadas.
Contudo, esse tom pueril perde nexo quando se nota que o drama na série caminha não por questionamentos ao status quo (político, questões de gênero e consentimento, para ficar só no mais óbvio), mas por enfatizar os absurdos e defender uma saga de vingança, que descaracteriza a luta de uma das personagens e coloca a mulher no papel de revanchista.
Os números iniciais mostram que a minissérie é um sucesso de audiência na Netflix, e o nome de Kelley tem peso nisso.
Os números iniciais mostram que a minissérie é um sucesso de audiência na Netflix, e o nome de Kelley tem peso nisso. Ele é responsável por quase todos os seriados em que a tônica é a mesma daqui: gente poderosa (e rica) tendo suas entranhas expostas durante a investigação de algum crime.
Duvida do poder do showrunner? Séries e minisséries como The Practice, L.A. Law, Ally McBeal e, mais recentemente, Big Little Lies, são frutos de seu trabalho. Ele acaba por emprestar sua credibilidade à Anatomia de um Escândalo, mas não deixa de pagar um preço por isso.
Os personagens são excessivamente caricatos (porque seria mesmo difícil escapar completamente disso neste filão), e nem a farta experiência de Melissa James Gibson em House of Cards ajuda a compor o ambiente de disputa política.
O Primeiro Ministro tem papel secundário na trama; seu assessor é mais preponderante, já que aparece a todo instante querendo romper os laços dele com James Whitehouse (Rupert Friend). Ele é inescrupuloso, tem zero interesse ou senso de justiça, o que poderia ser crível no mundo da política. Porém, nem as motivações dele ficam claras.
A opção da diretora S.J. Clarkson (de Os Defensores, Jessica Jones, Orange Is the New Black) em mesclar flashbacks com a narrativa do presente deixa Anatomia de um Escândalo ainda mais confusa. Pior, ajuda a alimentar a ideia de que o desejo de quem sofre abuso é apenas o de vingança.
A minissérie pode até seguir com bons números de audiência, já que a própria Netflix fez grande campanha em cima do trabalho de David E. Kelley. Contudo, fica a decepção por tão pouca entrega de um criador que tem bagagem de sobra para fazer mais – e melhor.
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