Uma das maravilhas de ser uma grande artista do pop é, se houver coragem, poder brincar de fazer música. Se, além da coragem, há muito talento envolvido, a fórmula tende ao sucesso. Prova disso é Renaissance, o último disco da cantora Beyoncé.
Seis anos após seu último disco solo, o incrível Lemonade, ela segue fazendo (bem) o que fez desde então: abusando dos limites da música e de seu prazer. Seu sétimo álbum é uma celebração à música disco, à house music, dela para ela mesma e, consequentemente, para o público
Não é de todo absurdo pensar que a cantora vive sua fase mais livre, a ponto de recorrer a gêneros que boa parte de seu fiel público não acompanhou. Acontece que não estamos diante de uma cantora qualquer, ela é Beyoncé, capaz de entregar um disco tão eclético e carregado de significado.
Estamos diante de um choque, já não mais geracional, e Beyoncé, ciente disso, quer cantar essa festa de um reencontro do humanidade consigo.
Renaissance (ou renascimento, em português) pode ser compreendido sob diferentes perspectivas, justamente pelas variadas nuances que se apresentam. O mundo pandêmico/pós-pandêmico passa por esse renascimento. Estamos diante de um choque, já não mais geracional, e Beyoncé, ciente disso, quer cantar essa festa de um reencontro do humanidade consigo. Até podemos questionar se ele virá, mas se vier será nos timbres e nas canções da maior artista global da atualidade.
Há um toque de saudosismo nas 16 canções que formam o registro, mas temos que lembrar que, na última década, Beyoncé tem se entregado a projetos que são maiores do que um simples registro de estúdio.
Cada canção é milimetricamente escolhida de maneira com que pague homenagens ao legado de artistas negros que vieram antes dela e que foram, em várias camadas, os responsáveis por construir sua musicalidade.
Renaissance é parte de uma trilogia misteriosa, ainda a ser descoberta. É seu “Act I” (como aparece eu seu site oficial), um lugar sem julgamentos, sem perfeccionismo. É um lugar para todos, mas com um espaço em particular para mulheres negras e para pessoas queer.
“Break My Soul”, o single que arrebatou o mundo com uma Beyoncé que ninguém imaginava ouvir, é só a porta de entrada do baile. Há a disco em essência (“Summer Renaissance”), batalha de subwoofers (“America Has a Problem”), o melhor da cultura freaknik (“Thique”), sem esquecer o hip hop de MC Lyte, Queen Latifah e Salt-N-Pepa e tantas outras.
Não foram poucos que acusaram Queen B de ser escapista e optar por um disco essencialmente repleto de fugas mentais. O que não sabem esses que lhe apontam (mal) o dedo é que Renaissance é uma obra imaginativa, que não recorre a baladas ou hinos sobre superação de problemas e dificuldades, como ela já o fez (muitíssimo bem) anteriormente.
Seu sétimo disco é energia pura, batidas eufóricas, soul music, muito afrobeat, Jersey Club e swingbeat, menos lágrimas e mais suor, muito suor. Sendo assim, o álbum é, sim, urgente, exige que o presente imediato seja um ato celebrado (novamente, dentro de uma pista de dança, se possível).
De modo particular, considero um exagero os críticos que afirmam que Beyoncé se reinventou. O que Renaissance fez foi entregá-la ainda mais desinibida. Ela prega satisfação pessoal, intercaladas com aforismos sobre a teoria psicológica da autoatualização, sexo e amor próprio.
No entanto, recusa o papel de porta-voz dos oprimidos. Na realidade, talvez seja mais preciso afirmar que Beyoncé é política pura, e que não precisa ser óbvia ou escancarada para seguir sendo politizada como na última década.
Por fim, encarar o direito à alegria, em especial a negra, é um tremendo ato político – e transformador. Talvez o período esteja contaminando nossa visão sobre Renaissance, algo que só o distanciamento histórico permitirá esclarecer. Por agora, ele é o disco para este tempo, livre, pegajoso, sujo e pop, como só um gênio como Queen B poderia entregar.
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