A obra Esforços Olímpicos é um daqueles que livros que atravessam os limites entre os gêneros. Trata-se de um romance ou um ensaio? A riqueza da obra da escritora Anelise Chen – dando sequência à tradição de grandes autores, como o tcheco Milan Kundera – é conseguir amalgamar os dois estilos com maestria.
Há provavelmente um pé também na autoficção, uma vez que a personagem Athena Chen, além de dividir o mesmo sobrenome com a autora, também descende de uma família vinda de Taiwan, e sua origem como imigrante impacta profundamente a sua história.
No romance/ ensaio, acompanhamos as elucubrações de Athena, uma doutoranda que pena para terminar sua tese sobre esportes. Sua procrastinação, aliás, traz o tempo todo o grande risco de que ela perca sua bolsa de estudos, dando fim a uma chance que seus pais não tiveram: a de construir uma carreira baseada em seus esforços intelectuais, vivendo uma versão atualizada do sonho americano.
As divagações de Anelise Chen em Esforços Olímpicos deixam claro que, quase sempre, uma pesquisa científica é atravessada pela trajetória pessoal do pesquisador.
Seus pais, ao contrário, não tiveram opção a não ser de se tornarem cidadãos de segunda categoria, que desgastaram seus corpos em trabalhos braçais que os “verdadeiros americanos” não queriam. Para completar, seu melhor amigo acabou de cometer suicídio, o que traz a ela ainda mais dúvidas sobre a ideia de uma meta ou objetivo, fundamental para quem se aventura nas práticas esportivas.
Por isso, Athena se sente culpada ao entregar-se aos seus devaneios sobre a sua própria vida e suas intersecções com o esporte, encarado por ela enquanto campo filosófico – que é, afinal, o seu objeto de estudo. Por isso, as divagações de Anelise Chen em Esforços Olímpicos deixam claro que, quase sempre, uma pesquisa científica é atravessada pela trajetória pessoal do pesquisador. Athena, aliás, foi uma criança para quem a natação foi colocada como a promessa de uma vida melhor. Mas ela nada porque ama o esporte, pelos efeitos que a natação tem em seu corpo e em sua mente, ou pelo sentido moral que o nado cravou em seu espírito?
‘Esforços Olímpicos’: o esporte enquanto metáfora da vida
Esforços Olímpicos parece dialogar com outras obras clássicas, agora fora do campo da ficção. Sua leitura me fez lembrar dos ensaios de Susan Sontag, especialmente A Doença como Metáfora, em que a escritora constrói uma discussão brilhante sobre os significados atribuídos ao câncer ao longo da história – o que acabava por culpabilizar os doentes por conta da enfermidade enfrentada. Há alguma paridade aqui com o que Anelise Chen faz, ao nos provocar a pensar: por que os esportes (em especial, os de alta performance) nos fascinam tanto?
Assistir a esportistas chegando até o seu limite, muitas vezes prejudicando a saúde, em prol da obtenção de um resultado: o que isso causa em nós? E por que alguém topa deliberadamente dedicar sua vida para superar um desafio – e o que vem depois que esta fronteira é ultrapassada?
São algumas das questões de Chen se propõe a investigar. Ela faz isso, aliás, pegando carona em fatos reais sobre esportistas conhecidos, ou nem tanto, que provavelmente enfrentaram estes dilemas em sua experiência. Obcecada pelo tema, ela dedica parte de sua procrastinação a ver vídeos na internet de pessoas que morreram ao tentar atravessar limites, que passaram por situações bizarras ou que – a rebeldia máxima – simplesmente desistiram.
O culto ao esporte, portanto, não fala sobre o esporte em si. Projetamos nesta atividade significados e ritos que vão muito além do que ela pode nos trazer. “Desde que os esforços físicos da perseguição e do luto deixaram de existir, ficamos tentados a criar outras oportunidades para despender energia como demonstração de devoção. Quem gasta a maior quantidade de energia deve ser porque se esforçou mais e, portanto, merece comer”.
Mas se esforçar tanto para quê? Para atingir um estágio que, supostamente, traria todas as recompensas do mundo: a vitória. Em uma sociedade obcecada pelo sucesso, vencer se torna um valor irrecusável. Os esportistas profissionais, por sua vez, são sujeitos que têm a chance de acessar esse lugar – para, muitas vezes, verificar que o sacrifício não valeu a pena.
Elenca-se então em Esforços Olímpicos várias histórias de campeões sofredores, que cogitaram cometer suicídio depois de atingir as suas metas mais ambiciosas. Athena Chen, a doutoranda, é ela mesma uma ex-atleta que não tem o “gene” da vitória. “Para mim, o topo parece um lugar solitário. Para campeões, vencer não é uma coisa tão gloriosa. Vencer é ficar vivo; é escapar de um lugar fundo e escuro. Campeões têm de fazer isso diariamente”, escreve Anelise.
Esforços Olímpicos configura então como uma obra incômoda, ainda que prazerosa, que fala a todos nós que somos instigados cotidianamente a desejar “subir” na vida – pouco importando o que vem depois.
ESFORÇOS OLÍMPICOS | Anelise Chen
Editora: Todavia;
Tradução: Rogerio W. Galindo;
Tamanho: 256 págs.;
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