Em uma antiga entrevista, João Gordo fez uma afirmação que me marcou. Foi algo mais ou menos assim: “Você feliz não vende. Você tem que cantar algo triste, fazer ‘música de corno’”. Faço esse preâmbulo antes de apresentar Yaya Bey por um bom motivo.
A cantora já passou por poucas e boas no alto de seus 33 anos de vida. Casou, divorciou, foi artista visual, participou de projetos para os sem-teto e pessoas em situação de rua.
Filha de Grand Daddy I.U., um MC de relativo sucesso nos anos 1990, a música sempre esteve presente em sua vida, para além da própria figura paterna. Seu R&B é muito próprio, trazendo elementos que vão de Donny Hathaway a Notorious BIG, sem que isso pareça desconexo.
Isso porque Yaya Bey faz da música uma tentativa de compor uma narrativa mais justa aos negros, especialmente às mulheres. Desde The Many Alter-Egos of Trill’eta Brown (2016), seu primeiro álbum, a construção de uma representação das mulheres negras, complexa e distante da estereotipação, foi a pedra fundamental de seu trabalho.
Seu mais recente disco, Remember Your North Star, destaque na Pitchfork e demais publicações estrangeiras, é o ápice dessa sua jornada. Como uma colcha de retalhos sonora, unindo memórias e discursos, a cantora oferece o melhor da tradição das cantoras negras norte-americanas. Seu neo-soul é meloso, mas flerta continuamente com o rap, o ska e exposições da artista sobre sua vivência.
Os espinhos de seus emaranhados românticos, sua constante permanência em viver amores platônicos, sobre sororidade, o legado nefasto do machismo e da misoginia, além da distância da figura paterna apesar da mesma veia musical são temas que circundam a obra.
Esse conjunto de ideias se manifesta nas canções, em maioria produzidas pela própria Yaya Bey.
Esse conjunto de ideias se manifesta nas canções, em maioria produzidas pela própria Yaya Bey. Ela parece saber que não há dor sem alegria, razão pela qual parece querer mostrar às mulheres que tanto se importa um olhar otimista.
Não é raro ler suas entrevistas e encontrar uma mulher franca, que encara os temas como a depressão profunda e o consumo excessivo de maconha com a mesma desenvoltura. Essa transparência não guarda nenhuma vulnerabilidade, talvez seja, justamente, o que lhe confere força.
Yaya Bey é uma artista, uma mulher, que deseja sobreviver, processar suas emoções e traumas para abrir espaço à alegria. Sua discografia mostra essa trajetória, Remember Your North Star, aparentemente, é um ponto mais próximo do que ela almeja.
Ao leitor, sugiro começar pelo fim. Pelo prazer notar no passado os indícios que evocariam um disco tão íntimo no futuro, que não se furta nem mesmo em ser sexy quando quer. Porque como Bey deixa claro, ela quer para as mulheres negras o pacote todo.
NO RADAR | Yaya Bey
Onde: Nova York, Estados Unidos;
Quando: 2016;
Onde: YouTube | Instagram | Spotify
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