Na tarde de ontem, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que coordena o processo de transição de governo, anunciou os nomes que irão compor o GT de Cultura. Integrarão a equipe a atriz Lucélia Santos, o ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, o secretário nacional de Cultura do PT, Márcio Tavares, a cantora Margareth Menezes, o músico e poeta Antônio Marinho e a deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG).
O grupo temático do setor terá enormes desafios à frente. Na pauta inicial do grupo estão 13 pontos, sendo o primeiro tópico a recriação do Ministério da Cultura, extinto e transformado em secretaria no governo Jair Bolsonaro.
Na lista de Márcio Tavares, que foi um dos coordenadores do programa de cultura da chapa encabeçada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, também estão o orçamento para a pasta, a adequação de espaços culturais para maior acessibilidade, a regulamentação das profissões da área artística com direitos tributários e trabalhistas, além do reforço de políticas para o livro e a leitura. O próprio presidente eleito sinalizou em falas recentes o olhar atento que terá à literatura.
Desafios apenas começam com o GT de Cultura
Os desafios que começam com o GT devem se estender pelos quatro anos do futuro governo Lula, já que o desmonte de políticas de Estado na Cultura é anterior à gestão desastrosa de Jair Bolsonaro. No entanto, especialistas ouvidos pela Escotilha sinalizam que há espaço para otimismo.
“Nem todo o avanço se perdeu”, afirma Fayga Moreira, pós-doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA. De acordo com Fayga, que há 15 anos pesquisa políticas culturais, boa vontade política pode direcionar a reconstrução do setor. “Há o arcabouço jurídico e institucional que pode ser recomposto”, aponta.
As conquistas nas gestões petistas seguem vivas na mente de artistas e produtores culturais. Em 2013, o Brasil atingiu o maior orçamento cultural de sua história.
As conquistas nas gestões petistas seguem vivas na mente de artistas e produtores culturais. Em 2013, o Brasil atingiu o maior orçamento cultural de sua história. Naquele ano, foram empenhados R$ 6,2 bilhões (valor corrigido pelo IPCA 09/2022), bem distante do R$ 1,67 bilhão proposto pelo governo de Jair Bolsonaro para 2022.
“A memória recente desse período de abundância e muita produtividade dos setores artísticos e culturais se mantém muito viva na vida das pessoas impactadas por elas”, sinaliza a pesquisadora. “Acredito que será questão de tempo para reconstruirmos e avançarmos ainda mais”.
O cientista social Leonardo Rossatto, mestre em Planejamento e Gestão de Território (UFABC) e especialista em Políticas Públicas, caminha por pensamento semelhante. Para Rossatto, fortalecer políticas públicas passa diretamente pela descentralização das estruturas de fomento à cultura.
“É essencial para que a política cultural realmente seja profícua”, analisa. “Políticas culturais geram empregos, especialmente em áreas vulneráveis. Além disso, a política cultural é uma ferramenta insubstituível de produção de conhecimento crítico”, reforça o cientista social.
Secretários de Cultura encaminham demandas ao governo de transição
Também na tarde de ontem, o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura elaborou uma carta com as demandas ao governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme divulgado pela Folha de S.Paulo.
No documento que será entregue ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), os Secretários de Cultura indicam quatro pontos que acreditam merecer atenção do governo eleito.
Na pauta da próxima gestão, defendem, além da volta do MinC, a garantia da plena execução das leis da cultura e de orçamento em 2023; a retomada do Fundo Setorial do Audiovisual; e atenção para aprovação do Marco Regulatório do Fomento à Cultura.
O orçamento também está no centro das preocupações do documento enviado pelo Fórum, já que a atual gestão reduziu recursos e a estrutura, bem como loteou a secretaria com integrantes da ala mais radical do bolsonarismo.
A execução da Lei Paulo Gustavo e da Lei Aldir Blanc, cujos vetos de Bolsonaro foram derrubados pelo Congresso após pressão, também consta da carta. Gestores estaduais de Cultura tentam viabilizar um encontro com o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), responsável pelas negociações do orçamento para 2023.
A ideia é viabilizar junto ao futuro governo a prorrogação dos prazos de execução da Lei Paulo Gustavo, que destina R$ 3,86 bilhões a estados e municípios de forma emergencial, para que não haja perda orçamentária.
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Reformulação da Lei Rouanet entre as demandas para o novo governo
Alvo de críticas do ainda presidente Jair Bolsonaro, a Lei Rouanet sofreu grandes mudanças em sua gestão. A bandeira do bolsonarismo que defendia redirecionamento de verba para artistas de menor porte não ocorreu, como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo.
Além de aprovar menos projetos durante o comando de Mario Frias, deputado federal eleito, eles ficaram mais caros. O valor médio captado por projeto no ano de 2021 foi de R$ 644 mil, o maior em dez anos.
A carta do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura pede revisão dos “atos legais e infralegais praticados nos últimos anos”, diz o texto.
Na esteira das promessas do então candidato Lula, o documento também solicita a criação de mecanismos de regionalização e distribuição dos recursos pelo território nacional, o que colocaria o MinC como articulador de um movimento descentralizado de investimento em Cultura.
“A Rouanet precisa avançar em vários aspectos, no sentido de ampliar a descentralização regional, a participação de pessoas físicas e o aumento da porcentagem de investimento dos recursos das empresas físicas, por exemplo”, defende a pesquisadora Fayga Moreira.
Até o encerramento desta reportagem, 18 dos 27 secretários aderiram ao documento, mas há a expectativa que todos assinem.
Plano Nacional de Cultura precisará ser revisto no futuro governo Lula
Chama a atenção que o documento não cite a implementação do Sistema Nacional de Cultura (SNC). Chamado de “o SUS da Cultura”, o SNC traz princípios e diretrizes, deixa claro a divisão de atribuições e responsabilidades entre os entes federativos, fundamenta o repasse de recursos e a criação de instâncias de controle social.
Sua ausência foi amplamente noticiada pela imprensa, já que o governo Bolsonaro prorrogou duas vezes sua implementação, o que impacta diretamente a elaboração de políticas públicas no setor. O próprio Plano Nacional de Cultura (PNC), que deveria ser revisto periodicamente e cujas metas de desenvolvimento institucional tinham vigência de 10 anos, não foi analisado.
Na semana passada, o Plenário do Senado aprovou a MP 1.129/2022, que ampliou a duração do PNC por dois anos, fazendo a vigência saltar de 10 para 14 anos.
A medida é controversa, pois, apesar de impedir um apagão no setor cultural, faz com que o PNC siga desatualizado, diminuindo seu poder como instrumento orientador do Poder Público no desenvolvimento de políticas públicas culturais.
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