Com apenas cinco episódios disponibilizados até o momento pela HBO Max, a nova temporada de The White Lotus já provou que é o texto mais afiado presente nas séries atuais. O criador Mike White, mais uma vez, acerta em cheio nesta narrativa tão sedutora quanto sarcástica sobre o que acontece quando os muito ricos resolvem tirar férias.
São camadas e camadas de sentido a serem capturadas nas histórias e nas interações do novo grupo de ricos que descansam em um resort de luxo do grupo White Lotus. Desta vez, eles foram para a Sicília, na Itália. E tal como os consumidores de pacotes da CVC, eles querem aproveitar ao máximo a estereotipada la dolce vita que imaginam ser a marca deste lugar paradisíaco.
Mas a mensagem de The White Lotus, desde a primeira temporada, é bastante clara: não importa para onde o dinheiro o leve, sua personalidade (e sua classe social) sempre vai junto com você. A série, portanto, parece fazer uso do sarcasmo com o máximo de elegância possível para nos apresentar personagens que, embora sejam muito ricos e privilegiados, geram sempre algum tipo de identificação com quem assiste. E talvez por isso mesmo, são profundamente detestáveis.
Novas tramas e personagens complicados
O mote de The White Lotus se repete nas duas temporadas: abre-se os trabalhos com a constatação de que alguém morreu no hotel. De quem é o cadáver é algo que saberemos só no último episódio. Contudo, talvez uma das grandes sacadas da série seja o fato de que esta não é uma série de mistério. Na verdade, ficamos pouco instigados a descobrir quem morreu. A grande graça está nas relações humanas que vão sendo tecidas a cada encontro.
A mensagem de The White Lotus é bastante clara: não importa para onde o dinheiro o leve, sua personalidade (e sua classe social) sempre vai junto com você.
Na primeira temporada de The White Lotus, a tônica central estava na questão racial – como na “bondade” de Tanya (a irretocável Jennifer Coolidge, a única que retorna em 2022) com a funcionária negra do resort, ou na relação complexa entre duas amigas riquinhas que são extremamente blasé com os pais milionários que proporcionaram as férias no Havaí.
Na temporada dois, ao menos até o momento, a tensão é essencialmente sexual. Não por acaso, somos introduzidos a duas personagens inspiradíssimas que servem como costura a todas as histórias. Falo das intrusas locais que dão um jeito de se enfiar no resort e acabam sendo molas propulsoras de boa parte da confusão. As amigas Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò) são mezzo prostitutas, mezzo cantoras, mezzo aproveitadoras – ou talvez tudo isso junto.
‘The White Lotus’: três eixos de tensão e constrangimento
Elas funcionam como uma cola entre os três núcleos centrais. No primeiro deles, está o casal Cameron (Theo James) e sua mulher troféu Daphne (Meghann Fahy), que se vangloriam de serem apaixonados e nunca brigarem. As rachaduras neste telhado de vidro, claro, logo começam a aparecer.
Eles foram para as férias com Ethan (Will Sharpe), o amigo (e rival?) de Cameron na faculdade, e sua mulher, Harper (a fantástica Aubrey Plaza, de Parks and Recreation), dois milionários conscientes de sua situação de classe e que ficam horrorizados com a superficialidade dos companheiros de viagem, que dizem não acompanhar as notícias.
O segundo núcleo é o da família Di Grasso, que foram para a Sicília para revisitar suas origens. Mas, na verdade, quem está lá é o avô, Bert (o veterano F. Murray Abraham, de clássicos como Amadeus e Scarface), o pai Dom (Michael Imperioli, o eterno Christopher Montisanti de Sopranos) e o filho politicamente letrado Albie (Adam DiMarco) – que é tão correto que acaba se tornando insosso.
A sacada, como bem escreve a crítica Lucy Mangan no The Guardian, é que o trio representa “as três fases do homem e do pênis”. O avô é um idoso que passa o tempo todo flertando com as mulheres que passam – para ele, de forma inocente e divertida; para o neto, de forma abusiva. Já o pai é um sujeito poderoso que lida com a rejeição da mulher por sua compulsão por sexo e por puladas de cerca.
Por fim, vem, claro, a já icônica Tanya, a milionária mais deprimida e insuportável que a TV já nos apresentou. Na segunda temporada, ela está casada com Greg (Jon Gries), o incauto que ela “pescou” nas férias no Havaí. Tanya continua completamente sem noção e abusiva com os subalternos. No caso, a exploração se dá com a assistente Portia (Haley Lu Richardson), que ela enxerga mais como uma babá que está ali para aguentar suas lamúrias e para desaparecer sempre que necessário.
Tendo noção da furada em que está metida, Portia aproveita o tempo livre para tentar tirar algum proveito desta viagem gratuita para a Itália. Com “dedo podre” para os homens, como ela mesma assume, ela está dividida entre o perfeito e bonzinho Albie (que ela descreve em uma frase muito inspirada dessa forma: “finalmente achei que não se declara não-binário”), mas por quem não tem atração sexual, e por um inglês musculoso e misterioso com quem ela cruza na piscina do resort.
A tensão só tende a aumentar nesta série que é o puro suco do deboche sobre aquilo que há de mais execrável no chamado privilégio branco. Aguardemos os próximos episódios.
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