A exposição Desmonumento, do artista e professor da UFRJ André Parente, deixou de ser apresentada no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, depois que uma parte dela teria sido censurada. O artista e os curadores da mostra – Ana Maio, Laura Cattani e Munir Klamt – relatam que a decisão do MACRS teria razões políticas.
Frente à decisão do museu de retirar parte da coleção da exposição – especificamente, uma série de moedas com imagens de políticos – o artista e os curadores optaram por não apresentar a exposição no local, embora o projeto tivesse sido enviado ao museu e aprovado em sua integralidade ainda em 2022.
A exposição mostra uma série de trabalhos de Parente iniciados desde as manifestações de 2013, e que já foram apresentados no país e o exterior. Algumas obras de Desmonumento são inéditas, e foram criadas para completar o conjunto e amarrar um sentido mais coeso à obra.
São eles: 2 Conjes (moeda), In Fux we trust (bandeira), Escola sem partido (livro objeto), A reunião (livro objeto), Desmonumento (série fotográfica), Desmonumento (série fotográfica), Pense numa AR-15 (diagrama em vinil com fotografia). Alguns trabalhos foram retirados da mostra por questões de orçamento.
O que dizem o artista e os curadores
A parte da coleção que seria retirada da exposição no MACRS é a coleção de moedas que mostrava imagens de políticos. Em entrevista à Escotilha, André Parente afirmou que há uma explicação para que o museu tenha optado por não exibir as moedas: “a maioria dos trabalhos tem cunho conceitual. Já nas moedas, os rostos cunhados são de leitura muito direta (em 1 Irreal Temer e Cunha, em 1 Bolsominion, Bolsonaro e Ustra, em 2 Conjes, Moro e Dallagnol), e isso causa um certo temor”.
Os curadores de Desmonumento são os professores universitários Munir Klamt, Ana Maio e Laura Cattani. Eles comentam que o processo de aprovação da mostra com o MACRS foi “bastante simples, direto e claro”. Um projeto foi enviado em 11 de novembro de 2022 para Adriana Boff, diretora do MACRS, para que a proposta fosse encaminhada para o comitê de acervo e curadoria do museu.
Em 17 de novembro do mesmo ano, a exposição foi aceita e agendada para maio de 2023. “É importante ressaltar que já neste projeto as moedas tinham destaque, sendo a primeira obra apresentada”, afirmam os curadores.
Por questões administrativas do MACRS, foi pedido aos curadores e artista que a mostra fosse transferida para julho de 2023. Em junho, a diretora pediu para discutir uma das obras – a peça “1 Bolsominion”. Houve então uma reunião presencial entre Adriana Boff e Munir Klamt, com a presença de dois alunos da UFRGS, em que foi informado que, “como poderia ser problemática, esta obra não poderia ser exposta”, expuseram os curadores à Escotilha.
Foram então cogitadas alternativas para a exibição, como a exposição das moedas mais ao fundo da sala. Segundo a curadoria, em um segundo encontro, ficou explícita a intenção de não exibir a obra. Em seguida, os curadores e o artista decidiram que excluir a coleção de moedas iria descaracterizar a proposta de Desmonumento. Por isso, comunicaram à diretora por e-mail a sua posição.
A equipe curatorial afirma que não recebeu resposta a este e-mail, e que uma nota oficial teria sido mandada apenas ao jornal Matinal, que denunciou a situação. “O argumento infundado de um suposto risco à integridade da obra nunca nos foi apresentada, e o próprio artista alegou que era improcedente, pois mesmo que houvesse algum furto, ele estaria disposto a repor as peças indefinidamente”, alegam os curadores.
Por que as moedas?
Questionados sobre a que creditam a decisão do MACRS de retirada de apenas uma das peças da coleção, a equipe curatorial e o artista apresentam alguns argumentos. Os curadores afirmam que toda a exposição tem uma dimensão factual. “Não nos cabe afirmar o porquê desta censura específica da obra ‘1 Bolsominion’, mas nos parece que se constitui um excessivo temor, por parte do MACRS, de ferir a sensibilidade de uma parcela do espectro político gaúcho”, comentam.
“Não nos cabe afirmar o porquê desta censura específica da obra ‘1 Bolsominion’, mas nos parece que se constitui um excessivo temor, por parte do MACRS, de ferir a sensibilidade de uma parcela do espectro político gaúcho”
Curadores da exposição Desmonumento
Eles ainda conectam o episódio a outros fatores pregressos em relação às exposições artísticas em museus gaúchos. “Há, na verdade (desde o período da queer museu), um fator mais amplo e relevante que é uma desmedida preocupação das instituições culturais do RS de expor obras de arte que discutam temas relevantes contemporâneos que possam, de alguma forma, provocar uma resposta da extrema direita (com lives, postagens de influenciadores digitais, etc). Dito de outra forma, é como se houvesse um ‘conselho curatorial invisível’, secreto e indefinido, que determina e assombra as instituições culturais e define o que deve ou não ser exposto no RS”, posicionam-se em entrevista à Escotilha.
André Parente alega que a escolha por não exibir as moedas ignora o fato de que o próprio Bolsonaro lançou uma moeda para seus apoiadores com a imagem dele e com a legenda “imorrível, imbrochável, incomível”. O artista conta que a moda 1 Irreal circulou em cinco capitais por meio do prêmio Marcantônio Vilaça, além da coleção inteira ter sido mostrada em mais 8 outras capitais. “A sistemática era sempre a mesma, aproveitar minha passagem por uma cidade e lançar a moeda num galeria ou centro cultural. Geralmente eu convidava dois curadores ou artistas locais para discutir o trabalho comigo”, conta.
Em matéria publicada no portal Matinal, na coluna de Juremir Machado da Silva, os artistas e os curadores declararam terem sido acusados de “cavar uma situação para ficarem conhecidos nacionalmente por um eventual escândalo de censura”. Conforme expuseram a este veículo, esta afirmação se deu em reunião presencial entre o curador Munir Klamt, a diretora do MACRS Adriana Boff e a coordenadora de curadoria Mel Ferrari.
De acordo com os curadores, Klamt expos o argumento de que a “exposição foi engendrada como um duplo disforme de nação e que seus símbolos e signos (dinheiro e brasões) são elementos indispensáveis para a instauração desta identidade na exposição Desmonumento. Assim, ao se censurar um destes elementos, a exposição perdia o sentido de existir. Neste momento colocamos com bastante clareza à direção que a censura de uma das obras, que estava claramente apresentada desde o início como elemento central do projeto, configurava uma censura à exposição como um todo e que nós, enquanto curadores, nos colocaríamos sempre ao lado do artista apoiando-o em suas decisões”, ponderam.
Eles negam que haja qualquer polêmica voltada a fazer a exposição repercutir na mídia, uma vez que “André Parente é um artista de renome internacional, e os curadores têm suas carreiras estabelecidas e em nada se beneficiariam disto, além de não ser em absoluto do nosso perfil fazer este tipo de alegação publicamente, tanto que só estamos nos manifestando neste momento em apoio ao artista, que optou por expor a situação. Nosso intento é produzir uma reflexão crítica sobre o ocorrido, e não fomentar uma polêmica vazia nas redes”.
Por enquanto, não há previsão de montagem da exposição Desmonumento em outros espaços.
O que diz a Secretaria de Cultura
Ao ser solicitada por uma posição quanto ao caso, a Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul disse que “a decisão pelo cancelamento da exposição Desmonumento, prevista para ser instalada no MACRS, se deu por decisão unilateral do autor e do curador, o que a direção da instituição lamenta”.
A nota ainda afirma que a direção do MACRS abriu um debate sobre a série ‘Conjes’ em razão que sua condição frágil que exigiria um aparato expográfico que a protegesse. “A obra era também a única do acervo expositivo que personalizava figuras públicas da esfera política, e abriu-se diálogo no sentido de colaborar para uma uniformidade do conjunto”, finaliza a nota.
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