Com mais de 500 retratos, o projeto Humans of Curitiba compartilha fotos de pessoas que transitam nas ruas da cidade em uma página do Facebook, Instagram e eventuais exposições.
O cerne das fotografias é o lado invisível da cidade: moradores de rua, catadores de papel e imigrantes, por exemplo, são recorrentes nas postagens.
Confira como surgiu o projeto, a história mais impactante para o Gustavo ao longo desses três anos e por que a rua é o cenário ideal para o desenvolvimento do seu trabalho:
Escotilha » O que te encanta na rua e por que ela é o melhor lugar para a sua fotografia?
Gustavo Jordaky » A rua, para mim, foi e sempre será a melhor escola! É onde tudo acontece e tudo está acontecendo, em movimento. Você fica pronto para o acaso. Dificilmente uma cena se repete, surgem luzes novas e inesperadas, pessoas que se olham e histórias que se cruzam.
No início, quando percebi que queria seguir o sonho e me dedicar à fotografia, usei a rua como cenário porque nela as chances e oportunidades se expandem e o inesperado pode acontecer; uma cena, um novo olhar, uma conversa, a diversidade. Assim, me obrigo a sair todos os dias.
Além da experiência no olhar, a vivência nas ruas e a aproximação com as pessoas acabam te fazendo crescer, construir um outro ponto de vista dos seus próprios problemas e medos, além daquele velho pré-julgamento, que aos poucos você aprende a diminuir e passa a conhecer antes de formar uma opinião.
Para mim, a rua deve ser a primeira escola para quem quer seguir essa linha de fotografia, ela te desafia, te decepciona, te motiva e te faz crescer! No início foi um vício, hoje já vejo como estilo de vida.
E o Humans of Curitiba, surgiu assim?
Além da experiência no olhar, a vivência nas ruas e a aproximação com as pessoas acabam te fazendo crescer, construir um outro ponto de vista dos seus próprios problemas e medos.
Curitiba é referência em muitos aspectos, a cidade e suas pessoas, seus artistas. Com a fotografia não é diferente. Como há muitos fotógrafos bons e entusiastas criativos, a cidade propõe e aproxima essa vontade de fotografar.
Na época, percebi que havia fotografia de rua, de arquitetura e muita fotografia de paisagens e pontos turísticos, mas nada voltado às pessoas na rua. Talvez seja sim o jeito curitibano, uma distância comum.
Como a proposta era ganhar experiência, comecei a me aproximar dos personagens fotografados e conversar, saber um pouco mais sobre ele.
Na mesma época, conheci os projetos Humans of, que contam histórias de pessoas pelo mundo. Pronto, havia encontrado algo que realmente me completou! Assim, nasceu o projeto Humans of Curitiba.
Você se propõe a ouvir pessoas que normalmente não são ouvidas pelas sociedade. Neste aspecto, como é a recepção dessas pessoas quando você conversa com elas para fotografá-las e escutar suas histórias?
Muitas das pessoas que escuto são pessoas em situação de rua. Muitas dessas pessoas vemos todos os dias, andando por aí ou em seus lugares de costume. Mas parece que elas fazem parte da arquitetura, fazem parte da cidade e muitas vezes ignoramos essas pessoas.
Ao longo dos anos do projeto, essas pessoas em situação de rua foram as que mais deram abertura para uma rápida conversa e para serem fotografadas. Sem ego, sem se preocupar onde seria publicado ou o que seria escrito, sem se preocupar se vão sair belos em seus retratos. Eles querem aparecer, querem mostrar a realidade, por pior que seja o estado em que se encontram.
A confiança e a maneira de abordar fazem toda diferença para uma boa conversa, para você atingir e conseguir que a pessoa se sinta confortável em revelar coisas que não revelariam para um fotógrafo desconhecido. Mas existe o perigo da própria pessoa falar sobre a sua história. Automaticamente, as pessoas excluem as partes ruins e fazem sua autobiografia como heróis ou vítimas, da sociedade, da sua família, das drogas… Acho que com esse tempo nas ruas, você aprende quando a história é legítima ou se há algo estranho, algo que está sendo omitido. Faz parte!
Qual foi a história que mais te tocou nesse 3 anos de projeto?
É difícil destacar uma história específica. Em 3 anos de projeto, tive histórias e momentos felizes alegres, fotografia de denúncias, alguns casos de assédios, cenas cotidianas e muitos choros. Aprendi que uma história talvez não faça sentido, mas quando me vi com mais de 500 fotografias e retratos com relatos e realidades diferentes, percebi que as histórias estão de alguma forma interligadas e cada uma com o seu valor.
Posso citar o encontro com a Fernanda. O projeto ainda estava no começo, eu sem muita experiência e naquele processo do “pré-julgamento”, fui pego de surpresa. A Fernanda tem um problema no olho e julguei que ela me falaria apenas daquilo. Mas sua história foi além e ela revelou que sua mãe vivia um problema com drogas. Esse encontro foi um marco para deixar esse julgamento um pouco de lado, antes de conhecer.
“Nasci sem nenhum movimento no olho direito causado por um cisto, passei por cirurgia, alguns médicos dizem que tem volta e outros dizem que não, estava fazendo quimioterapia mas desisti, esse é o menor dos meus problemas. Estou cansada, minha mãe não me criou, fui criada pela minha avó, minha mãe tem um problema sério, ela é usuária de crack, já foi internada em clínicas algumas vezes, fiz de novo, dei a última chance a ela, mas na última visita ela bebeu. Estou correndo, trabalhando, mesmo não sabendo o que esperar, preciso montar uma casa para ela morar comigo quando sair de lá, minha vó não permite que ela venha morar conosco”, contou Fernanda.
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