Nesta semana, a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), da Polícia Civil do Rio de Janeiro, concluiu que a universitária Matheusa (21), transexual não binária, que estava desaparecida desde o dia 29 de abril, foi assassinada por traficantes no Morro do 18.
Assim como foi a execução da estudante, muitas pessoas LGBTQIs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer e Intersexo) são violentadas ou assassinadas diariamente. Os números chocam: segundo matéria do jornal O Globo, a cada 19 horas um LGBTQI é assassinado ou se suicida por sofrer a “LGBTQIfobia”, o que coloca o Brasil na primeira posição mundial nesse tipo de crime, à frente dos 13 países do Oriente Médio e África, onde existe pena de morte contra os homossexuais e transgêneros.
Também nesta semana, dia 8, foi ao ar, em O Outro Lado do Paraíso, o beijo gay entre os personagens Samuel e Cido, vividos por Eriberto Leão e Rafael Zulu, que, diga-se de passagem, não representou evolução alguma quanto à abordagem da homossexualidade nos folhetins globais. Em quase 7 meses de novela, o que se viu neste núcleo foi um enredo bastante confuso e sem nenhuma relevância social.
A mesma rejeição que os autores temem ao mostrar um beijo gay anda de mãos dadas com aquela que mata uma Matheusa por dia.
Além do autor Walcyr Carrasco ter ensaiado uma espécie de “cura gay” – como já abordado aqui no portal -, ele tratou a homossexualidade com muito humor. As construções da narrativa, das atuações, dos textos e da trilha sonora foram voltadas para o lado cômico. As cenas que envolviam a homofobia praticada pela mãe de Samuel, interpretada por Ana Lúcia Torre, por exemplo, iam pela mesma vertente.
Diferentemente de Amor à Vida (2013), também de autoria de Walcyr Carrasco, a homofobia sofrida por Félix (Mateus Solano) vinda de seu pai, César Khoury (Antônio Fagundes), era tratada com seriedade na novela. César era violento com o filho, as cenas envolviam dramaticidade e refletiam a realidade.
O autor também não soube explorar as questões de um relacionamento inter-racial entre dois homens, tema que foi aprofundado pela última vez na novela A Próxima Vítima (1995), quando os atores André Gonçalves e Lui Mendes protagonizaram esse tipo de enlace.
Na cena que antecedeu o beijo, Walcyr tentou resgatar aquilo que não fez durante toda a novela: retratar as emoções e os sentimentos dos personagens com veracidade e drama.
A pegada cômica foi jogada de lado e deu lugar para a tristeza de Cido que, por não suportar mais o comportamento homofóbico da sogra, antes embasado na comédia, decide abrir mão do relacionamento.
O conflito é resolvido, e a mãe, em um rápido monólogo, diz: “Vivendo e aprendendo. Definitivamente, não existe a ‘cura gay’. Claro que não existe cura. Como pode ter cura se não tem doença? Imagina dizer que o Cido é doente?! Nunca. Muito menos o meu Samuelzinho. Acontece que os dois se amam…”. A própria trilha sonora foi diferente das que eram utilizadas com esses personagens. (A cena completa você confere aqui).
O aguardado beijo foi romântico, transmitiu o amor existente entre os dois. Esteticamente bonito. Algumas pessoas vibraram com o acontecimento. Mas não há o que se comemorar. Além desta trama não ter tratado a temática homossexual com a devida importância social, o beijo, em mais uma novela, só aconteceu na última semana.
A mesma rejeição que os autores temem ao mostrar um beijo gay anda de mãos dadas com aquela que mata uma Matheusa por dia. Assim como na “vida real”, as novelas continuam a refletir a falta de representatividade dos LGBTQIs.
Nas ruas e nas novelas, eles continuam sem voz ou com um tímido grito, sufocados para dar risadas no espectador. O tabu persiste e resiste.