Talvez seja possível situar o programa Big Brother Brasil numa rara unanimidade nacional: trata-se, certamente, do mais criticado programa de televisão no país e que se associa a uma série de discursos temerosos quanto ao poder das mídias. Muito se diz sobre o fato de que o programa emburrece (seria essa uma possibilidade plausível a um programa de TV?), sobre o dinheiro arrecadado em atrações deste tipo (os patrocínios são muitos, e bastante evidentes no programa), mas, sobretudo, que é um tipo de consumo desprezível e que toma lugar de produtos culturais mais importantes (daí surgem memes, em todas as suas variações, do estilo “desligue a TV e vai ler um livro”).
Resumindo, há todo um discurso consolidado que BBB é, afinal, um programa sobre nada. Neste contexto, BBB 16 chega sem grandes mudanças – ao fim das contas, não há exatamente grandes possibilidades de inovação no formato. Como já apontaram os críticos, há, aparentemente, uma tentativa (até o momento, um tanto forçada) de colocar um verniz sociológico nesta edição ao tentar associá-lo a uma possível análise dos “conflitos de gerações”.
Este não é um texto de defesa do BBB, nem de ataque, mas mais uma tentativa de compreensão sobre que tipo de apelo que este programa parece sustentar para permanecer financiável à emissora nos últimos 14 anos. Afinal, você pode até não assistir ao BBB, mas o fato de não conseguir ficar imune a ele talvez diga um tanto sobre este tipo de atração.
- Ver BBB se associa a uma espécie de turismo da interação (ideia do pesquisador uruguaio Fernando Andacht, estudioso do formato) que nos oferece acesso às minúcias dos nossos comportamentos frente aos outros. De uma forma afastada e um tanto exploratória (tal como o clássico turista), assistimos ao Big Brother para visitar e beber das banalidades da vida cotidiana que só aparecem quando vivemos coletivamente. Tentamos tirar conclusões sobre o que vemos o tempo todo e compartilhar com os próximos. Em outras palavras, por mais imbecis que os participantes possam parecer, quando falamos deles, falamos de nós mesmos – enquanto pessoas e sociedade.
- Por isso, não por acaso os temas que angariam alguma sobrevida da banalidade cotidiana têm a ver com os momentos que hoje vivenciamos – vide, por exemplo, a pequena polêmica sobre a esponja em formato de black power que foi reconhecida como um preconceito velado pelo brother Ronan, que a tirou da cozinha e a levou para a sala. Tentava, aparentemente, enxergar ali uma metáfora mais complexa do que realmente existia (afinal, às vezes uma esponja moderninha de design é só uma esponja) e, quem sabe, angariar alguns simpatizantes. A polêmica repercutiu tão rápido quanto se esvaziou, falando um pouco sobre o atual estado dos ânimos das pessoas, na pressa de se associar (e desassociar) a certos discursos.
- A grande graça da experiência do programa está em dividir e debater entre nós os resultados das nossas pseudo-análises sociais e antropológicas (“fulano é falso ou não?”, “detesto gente deste tipo”, “cicrano é demagogo ao contar história triste ou ao dizer que quer ajudar os pobres se ganhar o programa”, etc). Hoje usamos para isso as redes sociais, que ampliaram absolutamente as dimensões de quem nossas opiniões conseguem alcançar. Obviamente, o debate nas redes muitas vezes fica no nível da superficialidade – mas assim como também já era quando as redes ou mesmo as mídias não existiam. No início do programa, lá por 2002, a diversão estava em parar na frente da TV com um monte de gente e ficar debatendo estas banalidades. Cada paredão era quase uma mini final de Copa do Mundo.
- Alguns diriam que há formas mais sofisticadas ou edificantes de passar o tempo para além do espiar a vida alheia, resgatando novamente o dito do “vai ler um livro”. A essas pessoas talvez valesse a pena dizer: atire a primeira pedra quem nunca bisbilhotou o vizinho. É este, por exemplo, o princípio fundamental do realismo nos romances: grandes autores como Flaubert e Balzac eram como mini deuses que tiravam os telhados das casas para que pudéssemos ver como viviam as pessoas. É claro que aqui não se propõe, hereticamente, comparar os cânones literários ao programa sobre nada, mas apenas fazer uma provocação sobre sua possível proximidade. Que não se entenda a bisbilhotice literalmente, claro; mas quem nunca quis saber como vive as pessoas, especialmente quando estão sendo elas mesmas, “a vida como ela é”? Afinal, o princípio do reality show é, justamente, a realidade, a ideia de que uma hora a gente esquece que está sendo observado (independente de haver uma câmera nos filmando) e começa a ser a gente mesmo. Aparentemente, tem bastante gente ainda interessada em vender a promessa de ser a “si mesmo” e pagar o preço de virar objeto do escrutínio alheio.
A grande graça da experiência do programa está em dividir e debater entre nós os resultados das nossas pseudo-análises sociais e antropológicas. Hoje usamos para isso as redes sociais, que ampliaram as dimensões de quem conseguimos alcançar.
- Outros falariam que há formas mais inteligentes de se conectar com os próximos que não envolvem programas de TV, repetindo aquelas ideias meio ingênuas de que hoje as famílias estão destroçadas por causa das tecnologias, etc. Para estes, também é possível dizer as mídias, desde sempre, têm uma importante função de “cola social”. Ver BBB e outros programas do tipo é também uma forma de não viver só.
- Este BBB 16 promete trazer alguns conflitos e discussões interessantes. Como já apontam os críticos, a polaridade entre os sexos talvez se torne a tônica desta edição. Que será da jornalista Ana Paula, que se pronunciou como defensora do machismo neste momento em que (felizmente) este tipo de posicionamento se tornou um tabu? Pode uma mulher ser machista? O discurso de que as mulheres ainda podem depender dos homens encontra alguma consonância na plateia que assiste? Como será reconhecida pelas outras mulheres da casa? Simpatizo mais com Adélia, a advogada que, justamente por sua assumida artificialidade (pois modificou diversas partes do corpo) parece mais “original” que as demais.
- Há dois doutores na casa: o ecologista Tamiel e o filósofo Alan. Não é a primeira vez que o programa conta com participantes de perfil “intelectualizado”, numa espécie de tentativa de trazer mais solidez às conversas. À exceção de Jean Wyllys, parece-me que nenhum deles encontrou grande sucesso dentro ou fora da casa. No BBB, não estamos diante de uma casa da racionalidade, mas sim “do coração”, do sentimento e das emoções – o que também se repete na vida aqui fora. Nesse sentido, Alan, que se emociona a todo instante, talvez tenha maiores chances que Tamiel.
- Para encerrar, lembraria que, não por acaso, “programa sobre nada” era o lema de Seinfeld, um clássico do humor e cuja inteligência dos roteiros é vista hoje com unanimidade. Obviamente, a proximidade entre ambos aqui é forçada, mas serve apenas para lembrar que a ideia do “nada” não deixa de ser um modo de fechar os olhos aos possíveis pontos que talvez possam interessar quanto ao BBB. Afinal, nada no mundo é sobre nada – muito menos algo que encontra, há tantos anos, um público de milhões de pessoas. O verniz sociológico de Pedro Bial talvez seja uma perfumaria desnecessária.
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