Em uma semana de poucos acontecimentos televisivos marcantes, um dos fatos mais comentados foi, de fato, extra-televisivo: a saída do apresentador Evaristo Costa da bancada do Jornal Hoje, um dos telejornais de maior audiência da Rede Globo. Após uma informação vazada a jornalistas, soubemos que o popular apresentador teria pedido desligamento da maior emissora do Brasil, após 14 anos sob as luzes desta ribalta.
A informação causou certo furor nas redes, por motivos diversos, os quais gostaria de elencar aqui. Primeiramente, o choque de que teria sido uma decisão do próprio profissional: Evaristo teria “esnobado” esta que é consensualmente a maior empresa de comunicação do país, mesmo com todos os seus questionamentos e problemas. Não por acaso, muitos profissionais entenderam esta notícia como uma espécie de tapa na cara da grandiosa “Vênus platinada”. Quem ousaria, em sã consciência, abrir mão da maior visibilidade possível ao seu trabalho – e, consequentemente, ao seu rosto?
Penso que esta incompreensão coletiva aponta algo bem inerente ao mundo capitalista, que é a impossibilidade de que empregados optem por se desligarem de grandes empresas, por maior que sejam as críticas ao seu trabalho (mesmo que, caso Evaristo Costa tivesse críticas ao empregador, elas ficaram reservadas à vida privada). Noutros termos: o baque que tivemos da saída do apresentador revela que mesmo aqueles que berram “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” não hesitariam em trabalhar na emissora caso tivessem uma oportunidade.
A incompreensão sobre a saída de Evaristo aponta algo bem inerente ao mundo capitalista, que é a impossibilidade de que empregados optem por se desligar de grandes empresas.
Um segundo ponto é a falta de explicação em relação à sua saída. A fala do próprio Evaristo – a de que tomou uma decisão pensando em sua família, com quem passará uma temporada sabática na Europa – soou protocolar e não convenceu a todos. Qualidade de vida, portanto, não seria razão suficiente para sair de uma empresa gigante. Logo surgiram as especulações. O jornalista Daniel Castro teria verificado outras razões para a sua saída: “queimado” internamente na emissora e considerado um profissional mediano, Evaristo teria optado por se desligar para “sair por cima”. A nota do jornalista foi desmentida por Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da Globo.
Há, no fundo desta discussão, o encantamento geral com o mundo das celebridades, e o fato de que os jornalistas estejam inclusos nele demonstra um sintoma típico das sociedades em que as mídias têm peso e relevância. A descrença nas explicações traz ainda uma trama de mistério à saída do apresentador, que passa a configurar como uma espécie de jogo a ser jogado pelo público.
Um dos elementos deste jogo é o fato de que as barreiras entre público (o pronunciamento de Evaristo sobre seu desligamento) e o privado (as “entranhas” da Globo e tudo que aconteceu ali) tenham sido preservadas por empregador e empregado, neste caso. Não à toa, ficamos “caçando” explicações que pareçam mais plausíveis para nós. Sendo Evaristo Costa uma celebridade, nós, a audiência, nos sentimos tentados a penetrar no fabuloso mundo em que ele habita.
E é aí que se insinua o ponto que considero mais problemático, que é a assunção tida pelo senso comum de que apresentador e jornalistas são sinônimos. No mundo do espetáculo, quebra-se a distinção entre aquele que cede sua cara para contar a notícia e aquele que efetivamente a gera. Se todo jornalista pode ser apresentador, nem todo apresentador é jornalista – pelo menos no sentido de que não está, necessariamente, desempenhando essa função quando apresenta um telejornal.
A nota de Daniel Castro traz pistas de que, caso seja considerado um ótimo apresentador, Evaristo Costa tinha lacunas como jornalista. Não por acaso, o carismático Evaristo sedimentou sua relação com o público por meio de postagens engraçadas em suas redes sociais. Este ponto é controverso especialmente porque esta confusão se repete, inclusive, entre jornalistas e estudantes de jornalismo, os quais se espelham em profissionais como Patrícia Poeta ou Renata Fan – que podem, sim, ser ótimas jornalistas, mas não é por seu talento jornalístico que são conhecidas e admiradas. Neste sentido, o trabalho de apresentador talvez esteja mais perto do entretenimento do que do jornalismo.
A saída inesperada de Evaristo, neste contexto, acaba trazendo um certo tom de subversão, por abrir mão de um lugar extremamente competitivo, assumindo uma decisão que poucos tomariam. Isto fica claro entre os próprios profissionais da mídia. Numa troca de mensagens do Twitter, o apresentador Milton Neves estabeleceu um diálogo com Evaristo Costa, no qual diz que “nunca se apeia de cavalo puro-sangue” (ou seja: quando chegar ao topo, jamais abra mão voluntariamente deste lugar, não importa o que aconteça), e recebeu a seguinte resposta: “Pangaré também nos leva onde (sic) queremos chegar”. Mais uma resposta enigmática para alimentar o jogo do mundo do espetáculo. Nada de novo no front – nem no jornalismo.