Na semana passada, alguns jornalistas anunciaram o lançamento de um novo projeto: o programa P & Ponto, que é o retorno de Penélope Nova ao gênero “sexo e relacionamento na televisão”, tema razoavelmente recorrente nas emissoras televisivas. Curiosamente, o novo projeto da apresentadora se dá em outra plataforma de mídia, o Youtube – esta veiculação do programa na internet, conforme Penélope destacou ao crítico Mauricio Stycer, seria a “chave” da liberdade para que possa abordar com total espontaneidade um tema tabu.
Nesta mesma entrevista, Penélope tece críticas à abordagem do tema da intimidade pela TV aberta, citando o programa Amor e Sexo, na Rede Globo. “Quem fala de sexualidade na TV? Tem o Amor e Sexo, mas acho que não mudou nada. A TV aberta continua se referindo a ‘aquilo’ [para falar dos órgãos genitais]. É quase um consultório. Acho que a TV é entretenimento, não clínica. A TV aberta, de uma maneira geral, trata sexo com desconforto. Sexo é, antes de tudo natural, e não há naturalidade pra falar de sexo na TV aberta. Não é permitido”.
A discussão é interessante. Em que medida certos assuntos podem ou não serem abordados com mais franqueza ou seriedade quando estamos produzindo para a TV aberta? Esse raciocínio pressupõe, claramente, assumir que as audiências magnânimas nos canais abertos – mesmo quando em crise, ainda muito maiores que outros veículos de comunicação – impõem certas limitações para que alguns assuntos sejam tratados com a complexidade que exigem. Como diz Penélope Nova, “a tal da naturalidade” para falar de temas que são tabus ou são difíceis (em seu programa, é sexo, mas poderia ser qualquer outro assunto que “não se pode tocar”, apenas para resgatar o conceito de tabu) é, afinal, uma meta a ser sempre buscada pela linguagem televisiva no intuito de, idealmente, contribuir à população.
A visão apresentada em P & Ponto é de que a sexualidade, enquanto tema de conversa, precisa ser banalizada, no sentido de ser tratada como assunto como qualquer outro, sob a perspectiva de retomada de uma relação mais ‘natural’ com ela.
A Globo, por exemplo, tateia o tema em programas como Amor e Sexo, já citado, que se baseia mais na performance humorada de apresentadores e convidados, e menos no enfrentamento de questões mais profundas. Há ainda um quadro no programa Altas Horas com uma sexóloga, Laura Müller, configurado para tirar dúvidas dos adolescentes do programa e, por isso, limitado às questões desta idade e ao necessário didatismo e responsabilidades ao se falar com este público (o que não é necessariamente um problema, diga-se).
Creio que atribuir esta limitação como uma característica inerente à televisão aberta seja uma visão um pouco redutora, pois temos vários exemplos de programas que conseguiram enfrentar certos temas com a seriedade – ou mesmo a descontração – que eles merecem. A própria Penélope Nova apresentou entre 2004 e 2007 o programa Ponto Pê na MTV, um canal então aberto, no qual fazia um excelente trabalho de discutir sexualidade de uma forma franca, informativa (mesmo que TV não seja clínica, como diz a apresentadora, havia muitos esclarecimentos úteis a adolescentes e adultos) e bem humorada. Dentre os que apresentaram programas sobre sexo do canal para jovens (como Erótica MTV e MTV Sem Vergonha), certamente Penélope foi a mais desenvolta e preparada – há, sem dúvida, continuidade com sua persona algo punk, de alguém que se apresenta publicamente como livre em vários aspectos de sua vida, inclusive o sexual.
O novo programa P & Ponto recupera a dinâmica transgressora de Penélope na sua versão MTV, e ela se mostra como alguém sem pudores a abordar – e rir – de qualquer assunto. O cenário é o mesmo de outras edições: na MTV, apresentava o programa em uma gigantesca cama cenográfica. Agora, aparentemente, Penélope está deitada no seu próprio quarto, o que reforça a sensação de autenticidade normalmente associada a ela.
A visão apresentada no programa é de que a sexualidade, enquanto tema de conversa, precisa ser banalizada, no sentido de ser tratada como assunto como qualquer outro, sob a perspectiva de retomada de uma relação mais “natural” com ela (me pergunto sobre o que os terapeutas diriam sobre isso – se algum dia a relação do homem com o sexo foi simples ou mesmo natural). No primeiro programa, Penélope entrevista Tammy Miranda (assista abaixo), homossexual assumida, que passa por um processo para se tornar mais masculina. Tammy é um personagem bastante peculiar e que tem galgado importantes espaços na mídia às custas de seu evidente carisma, e não da exploração exacerbada do tema da sexualidade. A dinâmica entre as duas é muito interessante e, certamente, fala muito sobre o quanto conseguimos avançar naquilo que é possível hoje de ser debatido com o público.
Em tempo: fica o registro também de um novo programete lançado pelo Canal Brasil. Transando com Laerte traz a célebre cartunista em entrevista com personalidades diversas. No primeiro episódio, ela conversa com Marisa Orth sobre a dinâmica dos relacionamentos humanos, desenvolvendo uma complexa discussão sobre se o amor – ou a idealização dele – é algo que nos iguala ou nos segrega. Laerte, cuja inteligência é notória, traz ao programa suas intrincadas linhas de raciocínio, desafiando o espectador a lidar com uma narrativa que o enche de dúvidas, e não de certezas. É de se esperar que o programa tenha longa vida e siga nos tirando da zona de conforto.
Talvez o fato de que agora possamos discutir sexo e relacionamentos humanos com Tammy e Laerte já indique que a televisão avançou bastante nos últimos anos.
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