A próxima novela das nove da Rede Globo, Segundo Sol, autoria de João Emanuel Carneiro, estreia só dia 14 de maio, mas já está causando polêmica após divulgar as primeiras chamadas na última semana, por causa da pouca presença de negros em seu elenco. A trama foi criticada por ter escolhido praticamente só atores brancos, tendo em vista que o enredo é ambientado na Bahia, onde 76% dos habitantes são negros, segundo dados do IBGE de 2013.
Os protagonistas são os atores Emílio Dantas, Vladimir Brichta (ok, ele é baiano), Giovanna Antonelli, Deborah Secco e Adriana Esteves e, para além dos protagonistas, não há representatividade negra proporcional à quantidade de atores: dos 26 nomes divulgados até então pela emissora, apenas quatro são negros (Fabrício Bolieira, Claudia di Moura, Danilo Ferreira e Roberta Rodrigues). E desses, somente os dois primeiros aparecem nas chamadas divulgadas pela emissora (veja uma delas abaixo):
https://www.youtube.com/watch?v=vnrdCvLWvyE
A jornalista Cristina Padiglione, que cobre televisão há mais de 25 anos, publicou em seu site neste domingo (dia 29) um artigo intitulado “Até quando a TV vai reservar aos negros uma espécie de cota?”, no qual endossa as críticas que têm circulado nas redes e questiona a prática da emissora carioca.
No texto, ela comenta a falta de negros no núcleo principal em quase todas as novelas. “Quando um negro surge entre os personagens centrais, o fato vira notícia, como se deu com Da Cor do Pecado, do mesmo autor, em que Taís Araújo foi protagonista”. Lembra ainda que na supersérie Onde Nascem os Fortes, de George Moura e Sérgio Goldenberg, elogiada por mim nesta coluna semana passada, a história se passa na fictícia cidade nordestina “Sertão” e também não há negros no elenco central.
Em resposta ao colunista Maurício Stycer, a emissora informou que rejeita a representatividade racial como critério de escalação de elenco. “Os critérios de escalação de uma novela são técnicos e artísticos. A Globo não pauta as escalações de suas obras por cor de pele, mas pela adequação ao perfil do personagem, talento e disponibilidade do elenco. E acredita que esta é a forma mais correta de fazer isso”, diz o texto.
Em um país onde mais da metade da população se identifica como negro, a representatividade é essencial e deve estar presente em todos os âmbitos da sociedade: seja na política, na mídia ou no entretenimento.
Na última sexta-feira, dia 27, a página no Facebook “Trick Tudo” lançou o movimento “Eu poderia estar na novela Segundo Sol”. Na campanha, a conta nomeia mais de 50 atores negros que poderiam compor a produção. Até o momento de publicação deste texto, a publicação contava com mais de 40 mil curtidas.
Entre os nomes sugeridos pela página estão Sheron Menezzes, Aílton Graça, Camila Pitanga, Aline Dias, Zezeh Barbosa, Cacau Protásio, David Junior, Rogério Brito, Sérgio Malheiros, Ícaro Silva, Jonathan Azevedo, Juliana Alves, Adriana Lessa, Lucy Alves, Luís Miranda, Milton Gonçalves, Negra Li, Thainá Duarte, Tony Tornado, Val Perré, Jeniffer Nascimento e Lucy Ramos, entre outros.
Agora pergunto: entre todos esses nomes, nenhum possui talento suficiente ou perfil para interpretar um dos personagens do elenco? Sheron Menezzes, por exemplo, na minha opinião, está mais do que pronta para viver uma protagonista.
E vale ressaltar que não estou criticando os atores escolhidos. Pelo contrário, acho o elenco incrível. Uma novela que conta com nomes renomados como José de Abreu, Cássia Kiss, Vladimir Brichta e Adriana Esteves (vivendo uma vilã, em uma obra do mesmo autor de Avenida Brasil ~ saudades Carminha~) e atrizes promissoras da nova geração como Giovanna Lancellotti, Luisa Arraes (que deu um show na minissérie A Fórmula) e Letícia Colin (que brilhou como a princesa Leopoldina em Novo Mundo) tem tudo para ser ótima. Mas volto a insistir que, sim, existem ótimos atores negros que também poderiam integrar o elenco.
No comunicado ao jornalista Stycer, a Rede Globo ainda explicou que a trama vai mudar e que pode vir novidade por aí: “uma história como a de Segundo Sol, também pelo fato de se passar na Bahia, nos traz muitas oportunidades e, sem dúvida, reflexões sobre diversidade na sociedade, que serão abordadas ao longo da novela, que está estruturada em duas fases. As manifestações críticas que vimos até agora estão baseadas sobretudo na divulgação da primeira fase da novela, que se concentra na trama que vai desencadear as demais. Estamos atentos, ouvindo e acompanhando esses comentários, seguros de que ainda temos muita história pela frente!”
Para mim, este texto deixa claro nas entrelinhas que a Globo vai ouvir as manifestações e escalar atores negros para a segunda fase da novela. Afinal, eles não seriam bobos de perder a audiência. Porém, mesmo que isso soe falso e deixe claro é só por causa da revolta popular, é melhor que nada. Como já comentado nessa coluna, representatividade é a palavra do ano. A emissora errou e torcemos para que realmente se redima por isso.
No Brasil, 54,9% dos habitantes se declaram negros, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo IBGE em 2016. Sendo assim, em um país onde mais da metade da população se identifica como negro, a representatividade é essencial e deve estar presente em todos os âmbitos da sociedade: seja na política, na mídia ou no entretenimento.