Em breve teremos a estreia de mais um Big Brother Brasil, esse programa que configura uma espécie de celebração da vida mundana, da fama efêmera e das tramas rocambolescas que surgem deste dolce far niente, destas férias de visibilidade nacional que (ainda) seduzem tanta gente. Embora haja participantes mais velhos, pode-se dizer que o BBB é uma espécie de ode à juventude, da leve despreocupação irresponsável típica dessa fase da vida – confirmando o fato de que há ainda milhares de pessoas que se seduzem por esta máquina da fama imediata, mesmo sabendo que muitas vezes ela será mais negativa que positiva.
A sedução da juventude, no entanto, não tem uma força absoluta quando o assunto é televisão. Menciono aqui o iminente início do BBB para fazer uma tentativa de contraponto com um outro fenômeno observado no veículo, que é o magnetismo pelo polo contrário, pelo consumo daquilo que surge (para melhor ou pior) junto com a idade. Se acreditávamos que os múltiplos sentidos proporcionados pela TV eram o palco ideal para a exibição da inefável beleza dos jovens, hoje meio que já sabemos que tudo isso pode ser um tanto fake, forjado para as câmeras. E, mesmo que de forma inconsciente, queremos sempre que os programas televisivos nos surpreendam, tragam algo da esfera do autêntico, do que vem dos “sentimentos”.
Por isso mesmo, muitas vezes o que salta de mais atraente na TV vem daqueles que já viram muito da vida e, por consequência, já perderam e ganharam muito. A graça surge daqueles que, em alguma medida, conseguem com suas presenças subverter o controlado jogo televisivo da visibilidade negociada a altos custos. Falo dos velhos, dos idosos, da “terceira idade” ou qualquer eufemismo do politicamente correto que quisermos empregar. Dos personagens que já galgaram seu posto no disputado Olimpo televisivo e voltaram às telas para nos contar que lá não é tudo isso.
Já falei algumas vezes da figura desempenhada por Silvio Santos na TV, resultando que, nas últimas décadas, ele passou de um símbolo da má qualidade televisiva a fenômeno kitsch adorado por todos, acima de qualquer crítica, não importa o quão deselegante e politicamente incorreto ele costume ser. Aliás, parece que, com os anos, quanto mais “gagá” (ou seja, quando propenso a falar a primeira coisa que lhe vem à cabeça, sem as responsabilidades sociais que nos restringem), mais extasiados ficamos ao assisti-lo. Assim, Silvio acaba por protagonizar um papel da libertação proporcionada pela velhice (já que, em certa medida, todos nós gostaríamos de ser mais “sinceros” do que a educação nos permite) e de uma espécie de sabedoria conquistada com a idade (pois, ao final da vida, concluímos que tanta etiqueta nem era sempre tão necessária assim).
Essa catarse da velhice era um pouco o que sustentava a persona televisiva de Dercy Gonçalves, uma comediante cujo mote de seu espetáculo estava no contraste entre a quantidade de palavrões e o fato de eles serem emitidos por uma pessoa idosa (Dercy morreu com 104 anos). À frente de uma mulher de trajetória sofrida e lógica confusa, configurou-se uma personagem libertadora, pouco avessa às convenções esperadas aos velhos e, por isso mesmo, bastante atraente às lentes da televisão.
A graça surge daqueles que, em alguma medida, conseguem com suas presenças subverter o controlado jogo televisivo da visibilidade negociada a altos custos. Falo dos velhos, dos idosos, da ‘terceira idade’ ou qualquer eufemismo do politicamente correto que quisermos empregar.
Neste mesmo sentido, é realmente fascinante a rara entrevista exibida pela TV Folha (braço audiovisual do jornal Folha de São Paulo) com a atriz Vera Fischer. Ela é outra personagem que alcançou certos degraus de uma almejada visibilidade midiática, consolidando-se como uma musa inconteste no imaginário dos brasileiros – não importa quantos anos se passem de seus períodos de maior presença nas mídias. Sua não-aparição, inclusive, é signo importante de sua relevância, e suscita o desejo de vê-la e ouvi-la, em poder “consumi-la” novamente – preferencialmente, para além do papel idealizado que ela representa.
E assim ela reaparece, aos 65 anos, para significar a si mesma depois de algum tempo. As últimas notícias foram flagrantes de Vera “irreconhecível” num aeroporto, em montagens que comparavam sua versão “musa” à versão atual, acometida pela idade (ora, nós, reles mortais, adoramos esculhambar os semideuses, não é mesmo?). Na entrevista da Folha, ela revela um dos presentes da maturidade: o humor, o não se levar tão a sério. “Era Osklen”, ela comenta sobre as fotos de 2015 que a registraram em roupas despojadas – era, na verdade, um vestido da caríssima marca carioca. Ao mesmo tempo, é honesta: diz que ficou “mal para caralho” com a zombaria coletiva de sua imagem.
Mas não nos enganemos: Vera Fischer apresenta-se aos repórteres “montada” de Vera Fischer, ou seja, deslumbrante. Como uma Catherine Deneuve brasileira, ela continua impecável ao aceitar o avançar da idade. “Para mim, a velhice não chegou ainda, só a sabedoria”, explica. No entanto, as conquistas trazidas pela idade se revelam nas suas falas, e não na beleza madura que a câmera captura. Vera é provocativa: “sou uma pessoa cara”, diz, ao se referir à quantidade de produtos de beleza que usa.
Há um delicioso “tô nem aí” subjacente nas suas respostas, um desligamento das amarras de um olhar maniqueísta sobre o mundo. Ao ser perguntada sobre seu problema com drogas, ela responde: “querido, nos anos 80, as pessoas todas cheiravam cocaína porque era moda. Eu usei mesmo, pronto, foi ótimo, e depois acabou”. Ao falar sobre um suposto namorado que mencionou em entrevistas, ela ri: “eu inventei. Imaginação é comigo mesmo”. Ao alto de sua anunciada sabedoria de 65 anos, Vera zomba de nós, os alimentadores dessa cultura vazia das celebridades. É uma espécie de libertação para si mesma e para o público.
Inspirada, a breve entrevista da Folha (são menos de 5 minutos de vídeo; a íntegra da entrevista é reproduzida em texto) coloca Vera Fischer num outro panteão, o dos que já transcenderam as amarras da fama e hoje já podem, publicamente, ser a si mesmos. Se, como diz a genial frase de George Bernard Shaw, “a juventude é desperdiçada nos jovens”, ela retorna aos holofotes carregada de uma compreensão de mundo que só os velhos conseguem carregar, com uma sapiência irresistível aos que souberem saborear deste encontro.