Longa-metragem de Affonso Uchôa e João Dumans, Arábia é, sem qualquer exagero, um filme notável. Daqueles cujas imagens, muitas delas hipnotizantes, e as sensações que elas nos provocam, colam na memória e seguem ecoando por dias, calando fundo e nos fazendo pensar sobre quem somos. Talvez porque falem muito sobre um Brasil essencial que está em tantos lugares, mas se mostra, paradoxalmente, tão ausente na cinematografia nacional de maior visibilidade.
O filme, que chega hoje ao circuito exibidor, pode ser descrito como uma obra sobre o mundo do trabalho a partir de uma perspectiva muito pessoal: a de seu protagonista, Cristiano (Aristides de Souza), cuja trajetória de vida é narrada por ele mesmo a partir de um diário escrito de próprio punho, que, de maneira tão sutil quanto potente, o acompanha ao longo de sua existência algo errática, e nada espetacular, sempre mudando de empregos. Ele é um enigma a ser decifrado.
‘Arábia’ é um drama essencialmente político nas entrelinhas, mas nunca panfletário.
Trata-se de uma narrativa exemplar em uma realidade pautada por incertezas e que, de maneira sutil, discute, do ponto de vista de Cristiano, as condições de sobrevivência num país que pouco ou nada lhe garante. Ele, porém, está longe de se colocar na posição de vítima. Muito pelo contrário – sua autonarrativa distancia-se do maniqueísmo simplificador, e revela uma vida muito rica de aventuras, sensações e vivências internas. É um homem em movimento constante, que ao mesmo tempo se confronta, mas foge sem parar. Não seria injusto, portanto, dizer que é movido pela dor que deveras sente. Assim, Arábia é um drama essencialmente político nas entrelinhas, mas nunca panfletário. Fala muito sobre um país que trabalha até cair de exaustão.
Na edição 2017 do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Arábia venceu quatro prêmios: melhor filme, ator (Aristides de Sousa, então amador), trilha sonora e montagem. A produção mineira recebeu, ainda, o Prêmio Abraccine, da Associação de Brasileira de Críticos de Cinema. Antes disso, o longa-metragem havia participado do Festival de Cinema de Roterdã, do qual saiu premiado pela Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fipresci). É, sem dúvida, um dos grandes longas-metragens nacionais dos últimos anos.
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