Há filmes que sintetizam a época em que foram feitos. A Última Sessão de Cinema é um deles. Lançado em 1971, auge da Guerra do Vietnã, a obra-prima de Peter Bogdanovich se passa no início dos anos 1950, mas, lá no fundo, quer falar mesmo da América dividida sob o governo do republicano Richard Nixon, reativa aos ventos liberais da década anterior, tempos de contracultura, feminismo e da luta pelos direitos civis.
Na pequena cidade texana de Anarene, um microcosmo dos Estados Unidos rural e conservador, Sonny (Timothy Bottoms) e Duane (Jeff Bridges) são melhores amigos. Nem homens nem meninos, driblam a monotonia local jogando basquete, indo ao cinema, bebendo e buscando sexo onde encontrarem.
Duane namora Jacey (Cybill Shepard), a garota mais bonita da cidade. Filha de gente rica, ela sonha em dar o fora, sumir dali, como boa parte dos jovens de sua classe social. Já ele tem planos mais modestos, talvez um emprego em um dos muitos poços de petróleo da região. O relacionamento, portanto, tem data para acabar. Anarene, aparentemente, também. Está minguando, sumindo do mapa.
Sonny, mais atormentado e introspectivo do que Duane, esconde um segredo: é amante de Ruth (Cloris Leachman, vencedora do Oscar de melhor coadjuvante pelo papel), uma mulher casada. Outro personagem fundamental na trama é Sam, “o Leão” (Ben Johnson, também premiado pela Academia por sua atuação), dono do único cinema da cidade e do snooker frequentado pelos rapazes. Também é uma espécie de mentor para os garotos.
A fotografia em preto e branco lhe empresta um certo tom saudosista, mas a narrativa fragmentada, conduzida pelos personagens e suas subjetividades, e não por um enredo, como costumava ocorrer no cinema americano clássico, é bem moderna.
À medida em que se aproxima o baile de formatura, que para os jovens americanos funciona como pseudorrito de passagem à idade adulta, todos os personagens de alguma forma vivenciam situações de confronto, ruptura e dor. É uma morte simbólica que permeia tudo e todos, dissolvendo laços, dissipando jogos de aparência e alterando o rumo das vidas de muitos. Outros, como Duane, estão condenados à imobilidade.
Resultante da forte influência da nouvelle vague francesa no cinema norte-americano da virada da década de 1960, mas também profundamente conectado como os melodramas hollywoodianos dos anos 50 (Assim Caminha a Humanidade e Vidas Amargas são referências claras), A Última Sessão de Cinema é uma obra sobre a desesperança e o tempo. Mas também discute a necessidade de mudar.
A fotografia em preto e branco lhe empresta um certo tom saudosista, mas a narrativa fragmentada, conduzida pelos personagens e suas subjetividades, e não por um enredo, como costumava ocorrer no cinema americano clássico, é bem moderna. Tanto que o roteiro de Bogdanovich e Larry McMurtry (vencedor do Oscar pela adaptação para as telas de O Segredo de Brokeback Mountain), autor do romance que deu origem ao filme, é ate hoje estudado em cursos de cinema ao redor do mundo. E com bons motivos.
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