Ao ver Em Ritmo de Fuga (Baby Driver), que chega neste fim de semana aos cinemas brasileiros, me veio à cabeça um verso de Paulo Leminski: “Um homem com uma dor é muito mais elegante”. O protagonista do novo filme do roteirista e diretor Edgar Wright (de Scott Pilgram Contra o Mundo, 2010), apresentado somente como “Baby”, é um rapaz bem jovem, pouco mais do que um adolescente, que, apesar da pouca idade, traz no olhar, e na linguagem corporal, traços que denunciam uma história sofrida, senão trágica. Ironicamente, esse sofrimento se traduz em uma desenvoltura física toda particular. Ele é, de fato, elegante, porque sofreu, antes do tempo, perdas tão definitivas quanto definidoras. Pouco fala, mas sua vida é cheia de som e fúria. E ele dança.
Na superfície, Em Ritmo de Fuga é um heist movie (filme de assalto), gênero cinematográfico que já deu à história do cinema grandes filmes que vão de Um Dia de Cão (de Sidney Lumet, 1975) a Drive (de Nicolas Winding Refn, 2012), obras que transcendem os limites de suas tramas. Não diria que Em Ritmo de Fuga está à altura desses dois exemplos, mas é, ainda assim, interessantíssimo, porque Wright, um cineasta com marcas autorais bastante evidentes, deixa sua assinatura em cada frame. A jornada do herói de Baby, ainda que resvale em clichês e faça concessões, especialmente no seu desfecho, é narrada com muita originalidade – e, principalmente, tesão. Isso faz toda a diferença.
Wright sabe narrar como poucos diretores hoje em atividade em Hollywood: enquadramentos, movimentos de câmera, edição, som e trilha sonora são habilmente costurados, potencializando um roteiro que, se não conta uma história tão original, transborda inteligência e humor nos diálogos e nas situações que apresenta. Ele constrói um espetáculo pulsante, intenso, a partir de um fiapo de trama.
A jornada do herói de Baby, ainda que resvale em clichês e faça concessões, especialmente no seu desfecho, é narrada com muita originalidade – e, principalmente, tesão.
Baby (Ansel Elgort, de Escrito nas Estrelas) tem um passado trágico. Ele ganha a vida como motorista de fugas e tem uma particularidade que define tanto quem ele é quanto a forma que o filme adquire sobre a tela: tudo que o personagem faz, ou quase, é embalado pelas canções que ouve em seus fones de ouvido. Isso transforma Em Ritmo de Fuga num inusitado híbrido de ação, crime e musical. Tudo isso ao mesmo tempo e coreografado, das espetaculares cenas de perseguição e trocas de tiros, aos momentos mais íntimos, como as cenas entre Baby e Joseph (o ótimo, e desconhecido, CJ Jones), seu pai adotivo, e Debora (Lily James, de Cinderela), a garota por quem se apaixona. A música, sempre nos ouvidos de Baby, dá o tom, é o fio que costura as sequências.
Com um elenco estelar, que inclui Kevin Spacey (Beleza Americana), Jamie Foxx (Ray) e John Hemm (Mad Men), Em Ritmo de Fuga é um filme espetacular, no mais preciso sentido da expressão. É um dos raros produtos hollywoodianos contemporâneos que pedem a tela grande do cinema. E se a trajetória de redenção de Baby não chega a ser tão nuançada do ponto de vista dramático, a performance física do personagem, o tanto que ele tem a dizer no seu silêncio, arrebata com sua dolorosa elegância.
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