O longa-metragem Star Wars: O Despertar da Força é um espetáculo que se inicia antes mesmo da sessão começar. Já na fila, veem-se princesas Leias, com e sem coques laterais, um Darth Vader de jeans preto, colete e a icônica máscara-capacete, que ele só tira para mordiscar umas pipocas roubadas do balde do filho adolescente, devidamente estampado com a marca da franquia. Na minha frente, há até uma sorridente senhora de certa idade, também acompanhada da família, que traz na cabeça um criativo chapéu feito em casa que reproduz a parte superior do não menos emblemático robozinho R2D2.
Já passa das 22h15, e deveríamos estar no interior da sala, mas não: aguardamos a liberação do espaço, que àquela altura estava passando por uma limpeza a jato. Ninguém reclama, contudo. Há no ar uma atmosfera de comunhão, e euforia: fãs de várias gerações celebram um momento aguardado há dez anos, desde a estreia do Episódio III: A Vingança dos Sith, que encerrou a segunda trilogia Star Wars.
Contar um pouco a respeito dos momentos que antecedem a projeção do novo capítulo da saga criada por George Lucas em 1977 é essencial, incontornável. Porque a experiência de assistir a Star Wars: O Despertar da Força é múltipla, intensa e, sobretudo, coletiva. A emoção se dá na tela, é claro, mas se potencializa e, por fim, se torna transcendente e arrebatadora, do lado de cá do mundo, na plateia lotada, onde algo muito especial vai acontecendo ao longo dos 135 minutos do filme, sobre o qual é não é possível falar sem levar em consideração todo esse som ao redor.
Já se ouvem os primeiros aplausos quando surge na tela a logo da Lucasfilm Ltd., mas as palmas intensificam mesmo quando, aos primeiros acordes do hoje clássico e inconfundível tema de John Williams, lemos, como em todos os filmes da série, a frase “Há muito tempo, numa galáxia muito muito distante…”, seguida de um breve resumo do que está acontecendo na história. A partir de então, nenhuma conversa paralela ou smartphone ligado. Apenas magia.
Cinquenta tipos de arrepio percorrem meu corpo, e não poderia ser diferente. Vi Guerra nas Estrelas, título como o qual foi lançado Episódio IV: A Nova Esperança, no fim de novembro de 1977, quando o filme estreou em Curitiba, no saudoso Cine Vitória. Tinha 12 anos, estava de férias na cidade e confesso que saí da sessão meio perdido, sem saber ao certo em que lugar do universo estava, ao mesmo tempo tocado e confuso, por nunca ter passado, até então, por uma experiência cinematográfica semelhante. Ainda sem certeza de ter gostado, ou entendido direito, o que havia assistido.
Esse garoto, que eu fui (e, em certa medida, ainda sou) veria o filme muitas vezes ao longo das décadas seguintes, estava ontem ali comigo na sessão de Star Wars: O Despertar da Força. Portanto, deixo muito claro aqui: este texto não será uma crítica propriamente dita, e sim um híbrido de crônica, bem pessoal, e texto de opinião.
Acho que o grande mérito de J. J. Abrams, que aceitou o desafio de trazer a franquia de novo à vida, é seu despudor em fazer um filme, do primeiro ao último plano, para os fãs de Star Wars. E ter usado como paradigma estético, e narrativo, o longa original de 77, aquele mesmo que vi no escurinho do gigantesco Vitória, na Rua Barão do Rio Branco, onde hoje fica o Centro de Convenções de Curitiba. Essa escolha torna o filme um pouco previsível, sim, mas, para compensar, há muitas surpresas para quem conseguir se proteger contra os spoilers, que vocês, eu garanto, não vão encontrar neste texto.
Estética “suja”
Apesar de contar com o que há de mais avançado em termos de tecnologia, Abrams acerta ao construir a narrativa a partir dos personagens, e ao não utilizá-los como mero fantoches a serviço do espetáculo. São seus dramas pessoais, alguns apenas insinuados ainda, que conduzem a trama, muito envolvente, e a ação, em vários momentos eletrizante.
Acho que o grande mérito de J. J. Abrams, que aceitou o desafio de trazer a franquia de novo à vida, é seu despudor em fazer um filme, do primeiro ao último plano, para os fãs de Star Wars.
O virtuosismo técnico, embora esteja lá, não se sobrepõe ao enredo, como ocorre, muitas vezes, nos episódios I, II e III, respectivamente, A Ameaça Fantasma (1999), O Ataque dos Clones (2002) e A Vingança dos Sith (2005), nos quais Lucas, talvez deslumbrado pelas possibilidades do cinema digital, uma novidade na virada deste século, faz dos filmes um pouco reféns da tecnologia, oferecendo tramas menos consistentes, personagens mais rasos e uma estética por vezes higienizada (e, desculpem, meio brega).
Em Star Wars: O Despertar da Força, a franquia retoma um tratamento visual mais sujo, sucateado mesmo, tomando como referências os episódios IV e V (o incrível O Império Contra-Ataca, de 1980, ainda o ponto alto da série).
O caos, representado pelo confronto entre a República e as forças que pretendem restaurar o império que ressurge sob a inspiração de Darth Vader, morto há três décadas, se materializa em um desenho de produção (direção de arte, cenografia, figurinos), coerente com a franquia, porém bem mais próxima dos seus traços originais.
E preparem seus corações. São muitos os momentos emocionantes do filme. Reencontrar Han Solo (Harrison Ford), Leia (Carrie Fisher), Chewbacca (Peter Mayhew), C-3PO (Anthony Daniels), R2D2 e, claro, Luke Skywalker (Mark Hamill), faz o coração disparar e as lágrimas rolarem sem muita cerimônia. Todos são aplaudidos em “cena aberta”, como já era meio esperado. A interação entre filme e plateia tem um papel fundamental na experiência de fruição do longa. Mas vamos aos novos personagens.
Sem entregar demais sobre a trama, é muito estimulante ver uma mulher, Rey (a novata inglesa Daisy Ridley, excelente), assumir o protagonismo, o papel de heroína Jedi, em torno da qual a nova trilogia será construída. O também britânico (e muito talentoso) John Boyega, filho de imigrantes nigerianos, vive outro personagem-chave, o stormtrooper desertor Finn, que se junta a Rey em uma parceria que promete. Embora outros negros, como Billy Dee Williams e Samuel L. Jackson, tenham vivido papéis de destaques na franquia, Finn está na linha frente. É um dos heróis e isso demonstra um considerável avanço entre 77 e 2015.
Também merece destaque a impactante atuação do norte-americano Adam Driver (do seriado Girls) em um dos papéis mais importantes na nova trama, mas prefiro não falar muito sobre seu personagem, sob o risco de ser xingado. Vão e vejam!
Listado nesta semana pelo American Film Institute (AFI) como um dos melhores filmes de 2015, e fadado a quebrar recordes de bilheteria ao redor do mundo, Star Wars: O Despertar da Força tem chances de figurar entre os indicados ao Oscar de melhor filme do ano (somente Guerra nas Estrelas conseguiu esse feito, levando sete estatuetas, em 1978). Não sei se é para tanto, mas isso já são outros quinhentos.
Voltando à sessão de ontem, gostaria de encerrar o texto falando de um garoto, não o que eu fui, mas de um outro, também de uns 11, 12 anos, que estava sentado na mesma fileira que eu. Se antes da projeção, ele só falava a série de zumbis The Walking Dead, bastaram as primeiras notas do tema principal para que ele mudasse, eletrizado, de canal. A cada sequência, seus comentários demonstravam que era um grande entendedor do universo Star Wars, provavelmente herdado dos pais. Era prova viva de que a Força estava entre nós em uma noite para não esquecer.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.