O fato de ser o favorito a ganhar o Oscar de melhor filme, em fevereiro, já teve um impacto perceptível (e algo negativo) sobre o musical La La Land – Cantando as Estações, que tem estreia oficial hoje nos cinemas brasileiros, mas está em exibição no país desde a semana passada, em sessões de pré-lançamento.
Com um orçamento de US$ 30 milhões, valor módico para os padrões hollywoodianos, o encantador longa-metragem do jovem cineasta Damien Chazelle (do premiado Whiplash), de apenas 31 anos, é um filme autoral, relativamente pequeno, que deveria ser visto pelo que é.
Mas, depois de vencer sete Globos de Ouro – todos aos quais foi indicado, tornando-se recordista do prêmio –, além de ter virado um inesperado sucesso comercial, com quase US$ 80 milhões acumulados nas bilheterias norte-americanas, La La Land ficou, aos olhos de muitos, maior do que deveria, ou merecia. Cresceu o suficiente para conquistar a antipatia de quem passou a enxergá-lo como um “símbolo da hegemônica indústria de Hollywood”. Não é nada disso, em princípio.
Bem, não há dúvidas de que o musical de Chazelle, escrito por ele direto para a tela, e não baseado em um espetáculo da Broadway ou algo do gênero, é, sim, um produto castiçamente hollywoodiano. Mais: o filme é uma homenagem explícita a um gênero clássico do cinema norte-americano, que entrou em certo ocaso na década de 1970, com alguns espasmos de ressurgimento – notadamente com o brilhante Moulin Rouge – Amor em Vermelho (2001) e o competente Chicago (2002), vencedor do Oscar de melhor filme. E, de quebra, faz tributo à cidade de Los Angeles (a citação a Juventude Transviada não tem preço), à sua geografia e poder mítico, dentro e para além dos limites da sétima arte.

Mas é preciso dizer aqui que La La Land é bem mais original e cinematográfico do que Chicago, uma adaptação competente do espetáculo levado ao palcos pelo grande Bob Fosse, porém bastante atrelada às suas origens teatrais. O longa de Chazelle é uma obra muito ousada, porque se permite o direito de apostar no delírio quase insano de seu criador, o “capricho” de tentar reviver os tempos áureos de musicais como, por exemplo, Sinfonia de Paris (1951), clássico de Vincente Minelli estrelado por Gene Kelly e também vencedor do Oscar de melhor filme. Se está à sua altura (talvez, não), só o tempo será capaz de dizer.
Por outro lado, Chazelle, que não deve perder o Oscar de direção justamente por sua ousadia formal, também dialoga com outro tipo de musical, aquele feito durante a Nouvelle Vague na França, com direção de Jacques Démy e trilha de Michel Legrand. Os Guarda-chuvas do Amor (1964) é o melhor exemplo e há visíveis conexões entre ele e La La Land, pelo viés da melancolia.
Embora esteja sendo vendido como “uma história de amor”, se trata, sob essa superfície, de uma obra, na verdade, sobre o sonho e o fracasso, matérias-primas que integram o imaginário sobre Los Angeles, uma cidade que fabrica sonhos, mas também decepções.
Mia (Emma Stone, que venceu com seu desempenho o Festival de Veneza e o Globo de Ouro) é uma aspirante a atriz que ganha a vida como atendente em um café instalado dentro de um estúdio de cinema e televisão. Há seis anos tenta um lugar ao sol, mas só acumula rejeições. Tão perto e tão longe de seu sonho, pensa em desistir. É hesitante, insegura. Stone consegue dar toda essa complexidade à personagem.
Embora esteja sendo vendido como ‘uma história de amor’, se trata, sob essa superfície, de uma obra, na verdade, sobre o sonho e o fracasso, matérias-primas que integram a essência mítica de Los Angeles, uma cidade que fabrica sonhos, mas também decepções.
Sebastian (Ryan Gosling, também premiado com o Globo de Ouro na categoria melhor ator de comédia ou musical) é um pianista amante de jazz que sobrevive fazendo bicos, como tocar canções de Natal em um restaurante. Ambiciona ter sua própria casa noturna. Muitos consideram seu desejo uma loucura – “Ninguém mais ouve jazz”, insistem em dizer a ele.
Quando o destino aproxima Mia de Sebastian parece evidente, dentro da fórmula hollywoodiana, que eles se apaixonarão e serão felizes para sempre, realizando seus planos. Só que não.
Chazelle, como já provou em Whiplash, prefere focar na dor, no sofrimento, nas frustrações, e constrói um filme que não deixa de ser mágico, mas tem uma melancolia intrínseca, que permeia toda a narrativa. Ao contrário do produto hollywoodiano mais convencional, não trata da busca pela sucesso, mas pela agonia de tentar escapar do fracasso. Profissional, existencial, afetivo.

A exuberância visual, de cores fortes, contrasta com a agonia vivenciada pelos personagens, que se debatem, tropeçam, até por vezes triunfam, mas também se machucam, porque a vida não é, afinal, um conto de fadas – ou um musical da Metro Goldwyn-Mayer. A inspirada trilha sonora de Justin Hervitz tem evidente influência de Legrand, assim como tonalidades jazzísticas, na melhor tradição norte-americana dos Gershwin (autores das músicas de Sinfonia de Paris) e Irving Berlin.
Sem entregar, ou estragar a experiência de quem vai assisti-lo, La La Land é sintetizado por sua fantástica sequência final e por uma tomada em especial, uma troca de olhares que vale o filme, e subverte as convenções do gênero, brincando com as expectativas do público.
Trata-se de um daqueles filmes feitos para serem vistos na tela grande. Espetacular, visual e dramaticamente, no preciso sentido da palavra. Ainda que tenha suas falhas, como a quase inexistência de coadjuvantes – a irmã de Sebastian e o namorado e amigas de Mia são esboços de personagem, enche a tela, transporta o olhar, deixa a mágica do cinema acontecer.