Há uma qualidade rara e valiosa em Os Descendentes, longa-metragem do cineasta norte-americano Alexander Payne (dos ótimos Sideways – Entre Umas e Outras e Nebraska). Cada momento do filme passa ao espectador uma profunda sensação de verdade, de autenticidade dramática. Talvez por isso, sua trama, aparentemente trivial, seja tão comovente.
Embora tenha seu roteiro fundamentalmente construído a partir dos personagens e de seus conflitos, a geografia onde a história se desenvolve tem aqui um papel fundamental. E em vários aspectos. Os Descendentes acontece no Havaí e, ao contrário de muitos enredos que se orgulham de sua universalidade, não poderia se passar em outro lugar.
O protagonista, o advogado Matt King (George Clooney), pertence a uma longa linhagem de colonizadores que se confunde com a história do paradisíaco arquipélago. E, na fundação da família, há também uma legítima descendente da realeza nativa. Mas não é em defesa dessa imagem edênica do estado norte-americano que se manifesta o personagem, na narração em off que abre o filme, mas, sim, do direito de alguém de ser infeliz, de enfrentar problemas existenciais e práticos em uma paisagem tão magnífica.
Os Descendentes acontece no Havaí e, ao contrário de muitos enredos que se orgulham de sua universalidade, não poderia se passar em outro lugar.
A vida de Matt está em uma encruzilhada. A mulher, Elizabeth (Patricia Hastie), agoniza em coma no hospital, após sofrer um traumatismo craniano em um acidente de esqui aquático. De repente, ele se vê na obrigação de assumir um papel até então colateral em seu dia a dia: o de pai. A filha mais nova, Scottie (Amara Miller), começa a demonstrar um comportamento agressivo, por conta do estado crítico da mãe. E a mais velha, Alex (Shailene Woodley), que estuda em um colégio interno, é a revolta em pessoa.
O que Matt ainda não sabe é que sua primogênita está assim porque descobriu que Elizabeth, insatisfeita com o casamento, mantinha uma relação extraconjugal com um corretor de imóveis. Quando descobre a traição, o mundo de King desaba, porque também fica sabendo que o estado da mulher é irreversível e apenas lhe resta tentar saber quem era o homem por quem a mulher se apaixonou.
Paralelamente à crise enfrentada em sua vida pessoal, Matt tem outro dilema pela frente. Ele é, ao lado de vários primos, coproprietário de uma vasta extensão de terras numa das ilhas havaianas, um lugar que permanece selvagem e intocado, mas que, caso seja vendido, se transformará rapidamente em um empreendimento imobiliário milionário que mudará a face da região. Por um lado, Matt sofre pressão dos outros herdeiros, que sonham colocar a mão no dinheiro. Por outro, as filhas são contra a venda, porque têm uma relação afetiva com o lugar.
Graças ao excelente roteiro, capaz de fluir como a própria vida, sem as amarras habituais do formato hollywoodiano, Os Descendentes é um filme adulto sobre pessoas de verdade. Para isso, conta com um elenco notável, afinado, com destaque para a complexa atuação de Clooney. Ele consegue fazer de seu personagem ao mesmo tempo vulnerável, patético e algo heroico em sua busca pela sua verdade mais profunda, custe o que custar.
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