Nas últimas duas temporadas de Além da Imaginação, a abertura narrada por Rod Serling alertava o espectador que assistir ao programa era como viajar para outra dimensão, composta não só de “imagens e sons”, mas também da “mente”. Esse espaço era um “território maravilhoso da imaginação”. Era a “próxima parada”, um local que chamamos de zona do crepúsculo (The Twilight Zone).
Já discutimos em outras oportunidades a capacidade de a zona crepuscular ser um local de interação da ficção com a nossa realidade material (leia mais). O espaço, no entanto, parece ser também uma dimensão muito próxima do nosso cotidiano. É logo ali, onde podemos “viajar” sem muito esforço. Em vários episódios da série original, exibida entre 1959 e 1964, esse ambiente adquire características de um espelho. Isso porque reflete nossos comportamentos, invertendo-os para nos fazer refletir sobre a realidade por meio de tramas fantásticas.
Ao desconstruir a ideia de um visual normativo, mostrando que o belo é também uma construção social, o roteirista alerta que devemos nos colocar no lugar do outro.
Um dos episódios que talvez melhor mostre esse caráter de oposição da zona crepuscular provavelmente é “A beleza está apenas em quem olha” (Eye of the beholder), da segunda temporada. O enredo começa com uma mulher que acorda com a cabeça inteiramente enfaixada em um hospital. Ela comenta com as enfermeiras, cujos rostos estão cobertos por sombras ou ficam de fora do enquadramento da câmera, que espera que a cirurgia tenha dado certo.
“Só quero que as pessoas não gritem mais cada vez que olham para mim”, diz a personagem, dando a entender que tem uma aparência grotesca. Alguns minutos depois, o médico discute o caso dela com uma colega de profissão e comenta que aquele é uma das situações mais graves que já teve. Novamente, o rosto da equipe médica fica escondido do quadro.
Quando a equipe decide tirar as faixas que cobrem a face da paciente, a câmera mostra uma bela moça. Ela grita com o que vê no espelho. As enfermeiras e o médico, que aparecem na tela com enormes deformidades na cara, agem como se estivessem diante de uma monstruosidade, grotesca e repugnante. A mulher é a anormalidade ali.
Escrito pelo próprio Serling, “A beleza está apenas em quem olha” é um grande exercício de alteridade. Ao desconstruir a ideia de um visual normativo, mostrando que o belo é também uma construção social, o roteirista alerta que devemos nos colocar no lugar do outro. Um dia nós podemos estar na pele do excluído.
O tema da dominação pelo outro também aparece em outro roteiro famoso assinado pelo criador de Além da Imaginação, o do filme Planeta dos Macacos (1968). No lugar de monstros deformados, temos macacos, que fazem as vezes de dominadores e prendem pessoas como se fossem animais inferiores. O anormal é o humano que fala, raciocina e contesta.
Como no episódio citado acima, ficamos com a amarga impressão de que estamos olhando apenas para um reflexo distorcido de nosso próprio comportamento. É como se, por meio da ficção científica e da fantasia, Serling revelasse do que somos capazes de fazer com o próximo sem necessariamente levar em conta que aquilo também poderia ser feito conosco.