Stephen King costuma dizer que sua carreira só existe por causa de sua mulher, que salvou do lixo os manuscritos de Carrie, a Estranha. O livro, publicado em 1974, foi um best-seller instantâneo e garantiu a publicação de outras obras, como A Hora do Vampiro, O Iluminado e A Zona Morta.
Há dois elementos importantes, no entanto, que ajudaram a alçar o autor ao estrelato. O primeiro era o de que era um bom período para a proliferação de enredos de horror. A geração new horror havia lançado uma porção de títulos bem sucedidos que transformaram a percepção do público sobre o gênero, atingindo níveis inéditos de popularidade. O Exorcista (1973), por exemplo, chegou a ser indicado ao Oscar de melhor filme em 1974.
O segundo foi o longo relacionamento que o escritor estabeleceu com o cinema com o lançamento da adaptação de Carrie, a Estranha, em 1976. Suas obras, logo no início, foram levadas para as telas por nomes como Tobe Hooper, David Cronemberg e John Carpenter, que eram conhecidos pelos longas de horror que dirigiam.
De Palma diz que esse foi um dos poucos momentos de sua carreira em que pode se deter muito tempo para planejar a estrutura da trama.
Na virada dos anos oitenta, King era um símbolo do horror, com oito títulos entre os mais vendidos das livrarias norte‐americanas. Se a versão cinematográfica de Carrie, a Estranha não tivesse sido um sucesso, porém, isso não seria possível. Roteirizado pelo então estreante Lawrence D. Cohen, o longa‐metragem levava fielmente para as telas a história da desajustada adolescente, vítima de bullying e criada pelos rígidos princípios religiosos da mãe, que descobre que tem poderes telecinéticos e promove uma chacina no baile de primavera da escola.
Boa parte do sucesso da adaptação pode ser creditado à direção inspirada de Brian De Palma. Exímio contador de histórias, o cineasta é conhecido por manter com rédeas firmes o controle visual de suas obras. Inspirado por Alfred Hitchcock, seus filmes geralmente são construídos em torno de momentos‐chave como a cena do assassinato de Marion Crane no chuveiro do Bates Motel em Psicose (1960).
No caso de Carrie, a Estranha, o clímax ocorre quando a jovem, magistralmente interpretada por Sissy Spacek, é humilhada com um banho de sangue de porco logo depois de ganhar o título de rainha da primavera. A tensão antes da cena se estende eternamente, em câmera lenta. O desfecho é brutal e talvez seja o único motivo pelo qual o longa é considerado uma obra de horror.
No making of, De Palma diz que esse foi um dos poucos momentos de sua carreira em que pode se deter muito tempo para planejar a estrutura da trama. O resultado foi uma narrativa visualmente incrível e muito bem amarrada. Mais de quarenta anos depois e ela envelheceu pouco e se mantém atual, como outros títulos de diretores da new horror.
King, depois de assistir à Carrie, a Estranha, ficou extasiado. Como quase jogou a história no lixo, achou que algumas decisões narrativas de De Palma faziam mais sentido do que as que ele mesmo havia escrito. Especialmente o final, mais contido e visceral, que funcionava melhor nas telas do que no material original.
O estúdio não acreditava que o filme seria um sucesso e o reservou a algumas salas de exibição, esperando que ficasse em cartaz por uma semana. Após alguns dias, eles perceberam o potencial do que tinham em mãos e passaram a investir mais pesadamente no marketing.
Adaptações posteriores do livro, o telefilme de 2002 e o filme de 2013, foram relativamente mais fiéis em pontos importantes da trama, mas o resultado foi bem menos impactante. A versão definitiva da história já havia sido levada ao cinema por um talentoso cineasta em um momento em que era possível arriscar mais com o nome de Stephen King, então longe de ser a marca que viria a se tornar.