Em meio à crise do Covid-19, que levou milhões de pessoas a se isolarem dentro de casa para evitar contaminação, o iTunes registrou um aumento no número de buscas pelo filme Contágio (2011). Dirigido por Steven Soderbergh, com um estilo bastante cru e realista, a obra narra o que aconteceria se um vírus letal de fato se alastrasse por uma sociedade global como a nossa.
Não me arrisquei a rever o título nas últimas semanas, pois lembro de assisti-lo com a memória ainda fresca da crise do H1N1 no Brasil e ficar muito impressionado. Em 2009, a passagem da Influenza A resultou no fechamento de escolas e no fim do estoque de produtos como álcool em gel nos estoques de farmácias e mercados. Os efeitos soam bastante comedidos para o cenário em que vivemos hoje, com diversos comércios fechados e dados alarmantes de infectados e mortos.
Soderbergh obviamente captou o cenário da gripe aviária na tela e a transformou em um desastre viral no roteiro. O texto teve até consultoria de especialistas em epidemiologia. Não por acaso, o retrato segue como um registro bem próximo do que estamos acompanhando nos jornais atualmente.
De alguma forma, estamos em busca de respostas para o momento em que vivemos dentro do horror que é enfrentado por outros personagens.
Há alguns anos, defendi que o cinema catástrofe, do qual Contágio certamente é um exemplar, trabalha com muitos elementos de horror (leia mais). Isso porque, assim como no gênero do medo, tais filmes costumam focar seus enredos na sobrevivência de personagens humanos. Nessas obras, uma doença, um tornado e/ou um terremoto têm uma função narrativa que, muitas vezes, é semelhante a de um monstro, perseguindo uma a uma de suas vítimas até que alguém descubra como se livrar do mal.
Tem sido comum em redes sociais a comparação do esvaziamento das ruas com a de um apocalipse zumbi e do comportamento de pessoas que menosprezam a ameaça como se fossem coadjuvantes a se tornarem os próximos alvos da proeminente ameaça. Esses comentários sugerem que a nossa percepção do fenômeno do coronavírus às vezes é mediada por uma percepção oriunda de narrativas da ficção fantástica.
O repentino interesse na trama de Contágio é um pouco reflexo desse comportamento. De alguma forma, estamos em busca de respostas para o momento em que vivemos dentro do horror que é enfrentado por outros personagens. É como se o filme adquirisse uma dupla função de expurgar a experiência que tivemos com uma doença (H1N1) para interiorizar a de outra (COVID-19).
Em 2001, quando dois aviões bateram nas duas torres do World Trade Center, a rede de videolocadoras Blockbuster registrou um aumento no número de locações do filme Nova York Sitiada (1998), de Edward Zwick. A produção contava a história de uma série de ataques terroristas na cidade norte-americana. Muita gente associou essa busca pela produção, que não é lá essas coisas, a uma saída coletiva para tentar dar sentido à tragédia.
Parece-me que o mesmo ocorre agora. Quando tentamos ressignificar o momento em que vivemos, as respostas parecem estar nos horrores que personagens fictícios enfrentaram na obra de Soderbergh.