Trocando Em Miúdos: o livro de contos Sombras da Noite, de Stephen King, serviu de fonte para o filme A Criatura do Cemitério (1990), de Ralph S. Singleton. Embora seja fiel ao material original, o título carrega uma áurea de produção encomendada e carece de mais cuidado com elementos básicos do horror, como o monstro, que não convence o espectador como uma ameaça.
Stephen King se tornou um dos maiores autores de horror e suspense de forma súbita. Após anos sobrevivendo das misérias que ganhava com os contos que vendia para revistas baratas de literatura, seu livro Carrie – A Estranha foi publicado e virou um sucesso instantâneo em 1974. A adaptação de Brian de Palma ajudou a popularizar o nome do autor, que virou sinônimo de best seller.
Sombras da Noite, de 1978, talvez seja o melhor exemplo dessa primeira fase de King. Lançado na rabeira de O Iluminado, a coletânea reúne 20 histórias que haviam sido publicadas anteriormente. A maioria delas apresenta marcas que acompanhariam a obra do escritor, como a ambientação gótica e personagens do cotidiano norte-americano diante de situações extremas.
Várias dessas breves narrativas viraram filmes deliciosamente picaretas, como é o caso de Colheita Maldita (1984), Comboio do Terror (1986) e Às Vezes Eles Voltam (1991), entre outros. Algumas também renderam títulos vexaminosos. É o caso de A Criatura do Cemitério (1990), inspirada livremente no conto O Último Turno (The Graveyard Shift).
“Em sua única incursão como diretor, o cineasta Ralph S. Singleton erra a mão nas últimas cenas, colocando seus personagens para agir de forma incoerente e desperdiçando papéis importantes.”
Como a historieta tem cerca de 20 páginas, o roteirista John Esposito precisou dar corpo à trama. No material original, um grupo de funcionários de uma empresa que descobre, no subsolo de um prédio velho, roedores mutantes e famintos. No longa-metragem, o protagonista John Hall (David Andrews) ganha um passado, assim como seu inescrupuloso e perturbado chefe, Warwik (Stephen Macht).

A ambientação ocorre em uma fábrica têxtil, que sofre de uma grave infestação de ratos. O local recebe o nome de Bachman Mills, em homenagem ao pseudônimo de Stephen King, Richard Bachman. Quando a fiscalização anuncia que vai averiguar as condições sanitárias da empresa, uma equipe liderada pelo personagem de Macht precisa realizar uma limpeza nos subsolos do edifício.
Até a metade, o filme funciona bem, embora invente muito em cima do original. Para construir o suspense, algumas pessoas vão sendo mortas pelo monstro, que fica escondido das câmeras. O recurso, muito utilizado em filmes B, serve tanto para segurar a magia do espectador ao vislumbrar a criatura pela primeira vez quanto para economizar, visto que o visual da ameaça não chega a convencer ninguém.
Do conto em que se baseia, o longa-metragem traz os ratos e o encadeamento de eventos envolvendo o tal último turno. De longe, essa é a parte mais fraca da obra. Em sua única incursão como diretor, o cineasta Ralph S. Singleton erra a mão nas últimas cenas, colocando seus personagens para agir de forma incoerente e desperdiçando papéis importantes como o exterminador de pragas vivido por Brad Dourif – que tem uma das mortes mais estúpidas da história do cinema de horror. Os cenários escuros também não colaboram.
Como adaptação, A Criatura do Cemitério até que é bem fiel. Especialmente diante do polêmico O Passageiro do Futuro (1992), também inspirado em um trecho de Sombras da Noite e alvo de um processo movido por King, que se sentiu desrespeitado pela distância entre o filme e o material original.
Pessoalmente, acho que falta emoção ao trabalho de Singleton, que fica com cara de encomenda vagabunda de home vídeo. Trata-se de uma obra incomparável a outras que beberam na fonte do escritor, como Cemitério Maldito (1989) e Louca Obsessão (1990), lançados na mesma época.