O badalado drama senegalês Atlantique (2019), de Mati Diop, ocupa um lugar limítrofe dentro do horror enquanto gênero cinematográfico. Embora tenha uma narrativa permeada por traumas, possessões espirituais e transformações fantasmagóricas, a obra em nada se parece com uma história clássica de medo.
Acompanhei recentemente um debate com a pesquisadora do gênero Emanuela Siqueira, em que ela defendia que a produção, adquirida pela Netflix após ser premiada no Festival de Cannes no ano passado, lida com temas que certamente a categorizariam como horrífica. “O que pode ser mais assustador do que ver o amor da sua vida morrer em uma precária viagem marítima em busca de um emprego?”, questionou ela durante um evento.
O horrífico é determinado pela nossa resposta emocional, que certamente muda de pessoa para pessoa.
Atlantique, portanto, parece desafiar o senso comum do que consideramos como horror. Não há monstros nem ameaças à vida de personagens humanos positivos. As imagens não são grotescas ou sanguinolentas. Há somente a sensação de desconforto e mal estar.
O debate relembra a polêmica envolvendo a discussão de pós-horror, que surgiu de uma necessidade de categorizar uma nova leva de produções que não se encaixavam no que o público entendia como um filme do gênero. Em seu criticado texto para o jornal The Guardian, que deu origem ao controverso termo, o jornalista Steve Rose cita que títulos como A Bruxa (2015), Ao Cair da Noite (2017) e Sombras da Vida (2017) não pertencem ao mesmo balaio de Sexta-Feira 13 (1980).
Embora Rose defenda seu ponto de vista como base na reação do público, seu conceito ignora que o gênero sempre teve títulos que desafiavam suas convenções. É o caso de Psicose (1960), A Noite dos Mortos-Vivos (1968) e Eraserhead (1972). Isso se levarmos em conta apenas exemplos de cinema produzido nos Estados Unidos. Para mim, é justamente nessa capacidade de reinvenção reside a resiliência do gênero diante da comédia romântica, do western e do musical – que historicamente vivenciam mais momentos de ostracismo de lançamentos.
A verdade é que faltou ao próprio Steve Rose algo que a minha colega pesquisadora compreende bem: o horror dialoga com sentimentos, que são subjetivos. Por isso, uma narrativa horripilante para você, nem sempre é para outra pessoa. Isso possibilita que o gênero seja amplo, plural e cheio de limites embaçados.
Até mesmo a definição de horror para Nöel Carroll, autor do seminal A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração, reconhece que há algum espaço de autonomia para caracterizar se um filme pertence ou não ao gênero. O autor diz que o horrífico é determinado pela nossa resposta emocional, que certamente muda de pessoa para pessoa.
Logo, se aquele seu amigo acha que Bacurau (2019) não é um filme de horror, talvez seja preciso convencê-lo argumentando porque a sangrenta narrativa de Juliano Dornelles e Kléber Mendonça Filho sobre assassinos de crianças deve ser considerada como parte do gênero. Foi isso que a Emanuela fez com a minha percepção de Atlantique – que agora eu considero um baita filme de horror.