A história das animações da Walt Disney é marcada por constantes inscrições de elementos de horror. Monstros, mortos-vivos e outras criaturas das trevas foram presenças frequentes em séries como as sinfonias ingênuas e as primeiras aventuras de Mickey.
Lembro-me de assistir a animação Fantasmas Solitários (1937) com um fascínio diferente das demais tramas do estúdio, exibidas como um seriado pela Rede Globo nos anos 90. No curta-metragem, um grupo de espíritos entediados decide ligar para um anúncio de exterminadores de entidades paranormais só para se divertir. Mickey, Donald e Pateta obviamente interpretam os caça-fantasmas, que chegam ao local com um medo antecipado. Entre algumas piadas físicas, o trio acaba encurralado na mão das sádicas assombrações, que intencionalmente as assustam.
A narrativa parece experimentar a ideia de que o horror é divertido, mensagem que entendi muito bem ainda pequeno. Não devemos ter vergonha do nosso medo, mas rir dele e encará-lo como uma espécie de rito de passagem.
Penso que os elementos de horror servem como uma espécie de convite para que as crianças possam começar a observar o potencial de diversão do gênero.
A chamada Era de Ouro da Disney está repleta de outros exemplos como esse. Os curtas-metragens A Dança dos Esqueletos (1929), The Haunted House (1929) e The Mad Doctor (1933) são cheios de gags de sustos. Entre os longas-metragens, Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940) e Fantasia (1940) têm cenas que são assustadoras até hoje.
Tenho a impressão de que o medo se afastou dos desenhos animados do estúdio com o tempo. Na televisão, a segmentação do público por idade e afinidade fatiou a possibilidade de oferecer experiências horríficas às crianças. Uma animação como Moana (2016) abusa do excesso de cor, das cenas musicais e das piadas para evitar o medo dos perigos de um vale de monstros.
A necessidade de criar uma ameaça, no entanto, frequentemente recorre às caracterizações típicas de histórias de horror. Zootopia (2016) é bem eficiente em criar uma atmosfera de perigo quando os predadores que ficam selvagens e atacam outros animais. Não é nada como a cena da floresta de Branca de Neve ou a transformação de Pinóquio em um burro, mas é possível perceber uma tentativa de diálogo com o gênero.
Gosto do modo como o especial de halloween Toy Story de Terror (2013) representa algumas das ideias recentes do horrível nas animações da Disney. O curta-metragem começa com os brinquedos assistindo a um filme de vampiro dentro de um carro. Bonnie e a mãe decidem fazer uma parada em um hotel de beira de estrada habitado por uma sombria criatura, que rapidamente se revela um simpático lagarto.
Constantemente, o Mr. Pricklepants cita clichês de tramas de horror aos outros personagens, que são vítimas desses mesmos clichês logo em seguida. A estratégia aqui é a referência, como se a animação reconhecesse a linguagem do gênero e a transformasse em um catálogo de situações e imagens constantemente acessado pelo público e pelo próprio enredo.
O especial de halloween de Toy Story, assim como o clássico Fantasmas Solitários, não é exatamente realizado para assustar. Penso que eles servem como uma espécie de convite ao horror, no qual as crianças podem começar a observar o potencial de diversão do gênero (que na idade certa pode ser muito mais sanguinolento e pesado).