Depois de sair da sessão de Toy Story 4 (2019), minha filha de cinco anos disse que gostou muito do filme, mas achou meio “de terror em algumas partes”. De fato, o novo capítulo saga do caubói Woody tem momentos bastante assustadores. Especialmente nas cenas que se passam dentro de um antiquário e apresentam um perturbador grupo de bonecos ventríloquos.
Na animação, as marionetes que servem de capangas para a boneca Gabby Gabby aparecem como constantes ameaças, surgindo de cantos escuros e geralmente com um olhar perdido e a boca aberta. O visual evoca o de personagens como Slappy, de Goosebumps: Monstros e Arrepios (2015); Fats, de Magia Negra (1978); e Willie, o vilão do episódio “The Dummy”, da série Além da Imaginação.
Já escrevi sobre como o horror se inscreve nos demais gêneros cinematográficos, como se fosse um invasor (leia mais). Toy Story 4 jamais será considerado um filme feito para meter medo no público, mas a presença dos bonecos ventríloquos certamente o qualifica como um enredo de momentos assustadores.
O horror é o mais puro dos gêneros cinematográficos. É o que melhor usa o jogo de imagens, o que mais depende do som e aquele que consegue estimular as emoções mais extremas ao simular a realidade em movimento na tela.
Coincidentemente, revimos em família Uma Noite no Museu (2007), de Shawn Levy, cuja trama mostra um museu que ganha vida durante a noite. Embora seja uma comédia, a reação da minha filha se repetiu. Ela agiu como se a primeira parte do filme fosse O Exorcista (1973). Cobriu os olhos na hora em que o esqueleto de dinossauro ruge para Ben Stiller e resmungou alto de medo quando Átila, o Huno o perseguiu pelos corredores de uma exposição de história antiga.
Mesmo que não seja um diretor muito talentoso, Levy usa amplamente de recursos que brincam com o nosso receio do estranho. Se a câmera esconde o esqueleto de dinossauro do protagonista, o cineasta o faz como se estivesse criando um ataque. O susto não se concretiza, mas a emoção é indicada o suficiente para que uma espectadora pouco experiente de cinco anos compartilhe do pavor do personagem de Stiller. Por sorte, o humor aos poucos desarmou minha filha, que passou a se divertir bastante com a produção depois de meia-hora.
Tenho para mim que o horror não é apenas um gênero nobre por causa de sua imensa possibilidade de contar diferentes histórias e sua capacidade de se reinventar (leia mais). Acho que o horrífico também funciona como um repertório de estratégias narrativas – quase como se fosse uma linguagem. Isso possibilita que tenha trânsito em produções tão distintas quanto A Bruxa (2015), Jurassic Park (1993) e Branca de Neve e os Sete Anões (1937).
O diretor Quentin Tarantino, em uma entrevista recente para o podcast Eli Roth’s History of Horror: Uncut, defende que isso acontece porque o horror é o mais puro dos gêneros cinematográficos. É o que melhor usa o jogo de imagens, o que mais depende do som e aquele que consegue estimular as emoções mais extremas ao simular a realidade em movimento na tela.
Quando filmes de outras ordens narrativas querem assustar, provocar suspense ou tensão, é do horror que vem a inspiração. Por isso, de alguma forma, minha filha tem muita razão ao afirmar que Toy Story 4 é, sim, uma história “de terror em algumas partes”.