Explicar o horror em uma única teoria parece um desafio bastante complexo. O gênero, enquanto ferramenta que orienta o consumo, acaba reunindo um pacote muito heterogêneo de narrativas, que se alastram por diferentes mídias, como o cinema, o teatro e a literatura. Nöel Carroll é quem mais se aproximou de um enquadramento teórico amplo para esse conjunto de obras nos anos noventa (leia mais), mas foi apenas um a refletir sobre o tema nas últimas décadas.
Stephen King, um dos grandes da literatura fantástica contemporânea, escreveu diversas reflexões pessoais sobre o horror em Dança Macabra, publicado originalmente em 1981. Com o cuidado de alertar ao leitor que suas perspectivas não eram exatamente acadêmicas e tinham furos, a obra é uma boa referência para quem busca compreender como funciona esse tipo de narrativa midiática.
Uma das explicações mais interessantes do livro tenta dar conta da gênese de boa parte das tramas do gênero. De acordo com King, a literatura e o cinema de horror são norteados pelo conceito básico de três romances da Era Vitoriana: O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson; Drácula, de Bram Stoker; e Frankenstein, de Mary Shelley.
Os três livros fazem parte de um “corpo literário de ficção no qual nós, mesmo os que não leem ou não vão ao cinema, estamos todos imersos”, afirma o escritor. São essas três obras que dão origem aos nossos “mais luxuriosos conceitos do mal”, que podem ser apresentados como o lobisomem, o vampiro e a coisa inominável. Na concepção teórica de King, que cita um repertório gigantesco de outros produtos culturais em sua argumentação, os livros de Stevenson, Stoker e Shelley são as raízes do horror.
Em O Médico e o Monstro, Dr. Jekyll se torna um violento Mr. Hyde da mesma maneira que Lawrence Talbot (Lon Chaney Jr.) vira um lobisomem. Os dois personagens são frutos de uma mesma ideia, que iria vitimizar também Bruce Banner, Norman Bates e a jovem Regan MacNeil. Tratam-se de ameaças que vêm de dentro de nós. Uma violência que cozinha em banho-maria até ferver e explodir na cara de quem mais amamos.
Drácula é a força de dominação que vem de fora. As mocinhas penetradas pelos caninos do vampiro se modificam e passam a perseguir o mesmo tipo de sangue que seu agressor. A imortalidade, segundo King, é oferecida como uma recompensa – frequentemente interpretada como um fruto trocado por uma relação sexual. Vemos a mesma possessão ocorrer com a fome transmitida pelos cadáveres de George Romero, a pacificidade pregada pelos homens-vagens de Vampiros de Almas (1956) e a obediência machista implantada nas mulheres-androides de As Esposas de Stepford (1975).
Stephen King defende que o sucesso desses livros está na capacidade desses personagens em representar nossos medos, transpondo a realidade na fantasia.
King defende que a criatura sem nome de Frankenstein, que não pode andar na rua por causa de sua aparência abominável, antecipa em mais de um século o conceito de horror cósmico de H.P. Lovecraft. O romance de Shelley, escrito como uma resposta a um desafio de amigos, mostra a história de um homem que desafiou a criação, perseguiu o desconhecido e criou algo inominável. Vemos o mesmo acontecer em Alien – O oitavo passageiro (1979), King Kong e o T-800 de Exterminador do Futuro (1984), histórias sobre buracos em que os humanos se enfiam sem ter certeza de que conseguirão sair.
É evidente que esses arquétipos não são estanques. O próprio King admite isso. De forma recorrente, porém, vemos esse trio de monstros aparecerem na cultura da mídia, moldados como argilas. O autor da teoria defende que o sucesso dessas fórmulas está na capacidade desses personagens em representar nossos medos, transpondo a realidade na fantasia. Não são mitos modernos, pois partem do nosso cotidiano. São reflexões sobre decisões que tomamos diariamente ao lutar contra nossos demônios internos, enfrentar as ameaças de fora e, quando possível, evitar enfiar o nariz onde não somos chamados.