A televisão norte-americana vive uma boa safra de comédias, especialmente aquelas que fogem de estilos mais tradicionais, como The Big Bang Theory. Atualmente, séries como Veep, The Mindy Project, Unbreakable Kimmy Schmidt e You’re the Worst entregam textos inteligentes, muitas vezes escondidos em situações absurdas, que em um primeiro olhar podem deixar a impressão de ser uma baboseira sem fim. Esse é o caso de Broad City, série ainda não muito conhecida do público geral, mas que vem conquistando a crítica e a audiência cada vez mais.
Llana Glazer e Abbi Jacobson são duas jovens atrizes nova-iorquinas, que durante algum tempo escreveram e protagonizaram uma websérie para o YouTube. Com capítulos curtos e de forma amadora, as duas ensaiavam o que hoje é a série: uma versão exagerada de suas próprias personalidades, rindo delas mesmas e sem medo de parecerem ridículas. A websérie chamou a atenção do canal Comedy Central, especializado em seriados de humor, e de Amy Poehler (Parks & Recreation), que decidiram produzir a história para a TV. Escrita e estrelada pelas duas atrizes, a série vem chamando a atenção por seu humor sem pretensão e as situações engraçadíssimas vistas na tela.
Mantendo seus nomes reais, o que garante uma legitimidade maior, Llana e Abbi interpretam uma versão amplificada do que é estar na casa dos 20 e poucos anos. A série se passa em Nova York, mas poderia ser em qualquer metrópole. As duas não somente sofrem com dificuldades financeiras – fazem bicos diários para conseguir dinheiro – como não sabem o que fazer da vida, garantindo análises divertidíssimas sobre como planejar um futuro baseado no acaso.
Llana é bastante viciada em maconha e trabalha (ou finge que trabalha) como operadora de telemarketing – e suas tentativas para sair mais cedo do escritório garantem momentos hilários. Já Abbi é faxineira em uma academia e seu objetivo é largar as vassouras e se tornar instrutora dos alunos. Enquanto Llana gosta de viver em festas, Abbi prefere ficar em casa comendo pizza e terminando temporadas de séries. O contraste entre as duas personalidades constrói uma cumplicidade que ganha o público facilmente, ainda que as duas sejam bem irritantes.
O que se vê na tela é surrealismo, humor sem pretensão com uma inteligência que passa despercebida num primeiro olhar. É uma bagunça organizada.
A série gira em uma constante busca por sexo, mas não há nenhuma problematização em cima disso. O que poderia dar errado, é de longe o maior acerto da série. As duas garotas rasgam o estereótipo de que um humor sexual e cheio de palavrões deve ser feito por homens. Assim, as duas passam por situações humilhantes e idiotas, mas uma idiotice inteligente, numa autodepreciação deliciosa que não as ofende, mas as colocam como protagonistas.
Llana e Abbi são representadas como seres sexuais não passivas, as duas não são tratadas como objetos, mas procuram e fazem sexo a hora que quiserem, da maneira que quiserem e suas vidas sexuais são mostradas de forma aberta e bastante franca, sem que isso soe como um discurso. Nenhuma delas tem ou busca um corpo escultural, comem besteiras o dia todo e jamais estão super produzidas. Tudo isso gera uma identificação automática ao focar em uma geração que anda insatisfeita com a vida e tenta amenizar a frustração com pequenos absurdos diários.
A comparação com Girls, da HBO, é inevitável, mas basta um rápido olhar em Broad City para saber que a primeira, ainda que faça sucesso por seu olhar realista, é bastante romantizada. Girls tem um foco feminista e empoderador, mas faz isso com personagens que, de uma forma ou de outra, precisam conquistar o público. Broad City não quer que ninguém goste de suas protagonistas. As duas fazem humor puro, não estão preocupadas em serem inteligentes e os episódios não tem uma sequência direta. Na verdade, as personagens femininas são permitidas a se comportar de forma escrota, sem qualquer preocupação. Igualmente ridículos, os personagens secundários são escatológicos e sem glamour. Dessa forma, Broad City não dá espaço para reflexões profundas e nem pretende. O que se vê na tela é surrealismo, humor sem pretensão com uma inteligência que passa despercebida num primeiro olhar. É uma bagunça organizada.
Por isso, a série pode chocar em um primeiro momento, mas vale a pena seguir em frente. Contudo, Broad City nunca conseguirá atingir uma audiência enorme, porque trata-se de um humor que passeia entre o grotesco e o sutil. As duas amigas não são Friends, muito menos The Big Bang Theory e jamais How I Met Your Mother. Assim, não fazem nenhuma questão de seguirem as regras das comédias tradicionais. Não há nenhum grande romance, nenhum grande drama. Há, entretanto, uma simplicidade que a faz genial. Afinal, somente um texto inteligente consegue transformar situações ridículas do cotidiano em algo hilário. Não estranhe se você se identificar com tudo.