Vamos começar com o mais importante: estarei aqui falando da versão original japonesa de Macross, apesar de sua adaptação americana produzida por Carl Macek, Robotech, estar disponível no Netflix. E o motivo para isso é simples: apesar de Robotech não ser um mau trabalho, a dublagem americana é consideravelmente mais fraca, algumas edições e cortes foram desnecessários – embora pelo menos tenha mantido intacta uma das cenas mais traumáticas da série -, e a nova trilha sonora é um tanto brega… O que é uma pena, pois o áudio japonês é de um profissionalismo notável, e as músicas originais são um dos pontos mais gloriosos da série.
Tirado isso do caminho… O que mais pode ser dito sobre Macross (ou A Fortaleza Super-Dimensional Macross, se você insiste no nome completo)? Bem, provavelmente mais do que cabe neste artigo.
Uma das “óperas espaciais” japonesas de maior sucesso, Macross foi inicialmente planejada como uma mera paródia de outras óperas espaciais japonesas, como Space Battleship Yamato (lançada no Brasil como Patrulha Estelar) e Mobile Suit Gundam. E embora sua versão final, estreada em 1982, não seja uma comédia, ela de fato inicia de uma forma um tanto ingênua. A história começa no “distante” ano de 2009 (sei que já fiz essa piada antes, mas é tão fácil!), dez anos após uma enorme nave de guerra alienígena cair na Terra. Conforme cientistas do mundo todo se reuniram para repará-la, as tecnologias nela descobertas fizeram a humanidade progredir de forma nunca antes imaginada, inclusive levando a uma eventual paz mundial.
Percebe-se porque Macross ainda atualmente possui fãs fiéis ao redor do mundo.
Quando, porém, a nova nave – uma mistura de tecnologias humana e alienígena batizada de Macross – está prestes a ser inaugurada, ela é detectada por uma frota de naves pilotadas pelos Zentraedi, uma raça de alienígenas gigantes criados (em todos os sentidos) exclusivamente para serem guerreiros espaciais. Quando estes se aproximam para reivindicar a nave, eles acabam ativando uma armadilha secreta da Macross, resultando em um caos generalizado que leva a nave, junto com todos os militares e civis dentro e próximos a ela, a serem teletransportados ao outro lado do sistema solar. Acompanhamos então o drama de diversos personagens que têm suas vidas afetadas por esse evento, principalmente o piloto de avião Hikaru Ichijo e a aspirante a cantora Lynn Minmay, conforme os meses e até anos passam em uma longa perseguição repleta de ataques de ambos os lados entre a Macross e as forças Zentraedi.
Pode parecer um conceito simples para uma ópera espacial, porém a força da série não está em como ela começa, e sim em como ela se desenvolve: a narrativa é coesa e cativante, e as mensagens que tenta passar são bastante complexas, mostrando a guerra como trágica e fútil, mas também a paz como difícil de ser alcançada e, quando pensada de forma ingênua e inconsequente, podendo até causar mais mal do que bem. Nisso, Macross em muito lembra a forma como, anos antes, Jornada nas Estrelas soube usar a ficção científica para abordar dilemas difíceis de serem respondidos.
O enredo, porém, não se foca apenas na guerra, usando-a também como pano de fundo para explorar diferentes gêneros, como romance, drama e até musical, além das diversas facetas dos relacionamentos humanos, como amor, amizade, inimizade, e por aí vai. Os personagens também têm personalidades realistas e bem definidas, tanto humanos quanto Zentraedi, e amadurecem notavelmente conforme a série progride.
Fora os aspectos narrativos, as qualidades técnicas de Macross também são admiráveis, resultado de uma equipe formada por alguns dos melhores profissionais de seu tempo: o diretor Noboru Ishiguro, o designer de personagens Haruhiko Mikimoto, os designers mecânicos Shoji Kawamori e Kazutaka Miyatake… Todos juntos conseguindo dar à série um estilo visual que, ao mesmo tempo que remete aos animes de ficção científica que vieram antes, também assume uma identidade própria. A animação de Macross, para os padrões de sua época, chega a ser quase perfeita… Quase, porque devido a questões financeiras, a animação ficou a cargo de diversos estúdios, e assim alguns episódios, especialmente os animados pelos infames animadores coreanos contratados pelo estúdio AnimeFriend, possuem uma qualidade abaixo da média.
Percebe-se assim porque Macross ainda atualmente possui fãs fiéis ao redor do mundo, com a série possuindo diversas continuações e spin-offs, sendo disponível em vídeo e streaming em vários países, e inclusive tendo recentemente sido parcialmente reanimada com a ajuda de animação computadorizada. E mesmo que eu continue preferindo Macross a sua adaptação Robotech (que além de reeditar a série original, também a junta com outras duas séries de anime), tenho que reconhecer o mérito dessa versão americana em, junto com outras séries (como a já citada Saber Rider e os Star Sheriffs), introduzir os animes à cultura ocidental, tornando-os comuns em nossas televisões e revolucionando a história dos desenhos animados.