Na ânsia de entregar conteúdo original toda semana e dominar o mundo, a Netflix anda apresentando, cada vez mais, séries bem aquém de seus tempos gloriosos, o que acaba a transformando exatamente em um modelo tradicional de televisão. A plataforma pode até não trabalhar com fall season ou mid-season — períodos na televisão aberta em que as séries costumam estrear ou retornar —, mas isso não quer dizer que não estejam agindo exatamente igual, jogando dezenas de produções questionáveis para tentar salvar algumas delas. Entretanto, tal como os canais abertos, de vez em quando aparecem algumas séries surpreendentes e que nos dão esperança de que a coisa pode melhorar. É o caso de Ozark, novo thriller da plataforma.
Criada por Bill Dubuque e Mark Williams (ambos do longa O Contador), Ozark acompanha a vida de Marty Byrde (Jason Bateman, de Arrested Development), um bem-sucedido consultor financeiro de um escritório em Chicago que lava dinheiro para o líder de um cartel de drogas, Camino Del Rio (Esai Morales). As coisas começam a complicar quando Del Rio suspeita que o escritório de Marty está roubando seu dinheiro. Para salvar sua vida, Marty se muda com a família para a cidade de Ozark, no Missouri, onde inicia um negócio de lavagem de dinheiro com o objetivo de pagar a dívida que tem com Del Rio.
Desde o primeiro frame, Ozark consegue manter um tom opressivo.
Há muita semelhança com Breaking Bad, é verdade, especialmente quando pensamos na história de um homem trabalhando para o tráfico a fim de sustentar sua família. Entretanto, a série consegue caminhar muito melhor sozinha quando vista sem muita comparação ou expectativa.
Marty é casado há 22 anos com Wendy (a ótima Laura Linney, de The Big C), que sabe das atividades do marido, inclusive o ajuda, mas mantém um caso com outro homem. Marty e Wendy tem um casal de filhos, Charlotte (Sofia Hublitz) e Jonah (Sylar Gaertnet), que num primeiro momento não entendem o que ocorre, mas logo são inseridos na corrupção do pai, em uma decisão acertada dos roteiristas, já que dinamiza a história e evita ações inconsequentes demais por parte dos adolescentes, algo recorrente em quase todas as séries do tipo. É a partir da chegada da família a Ozark que a série começa a complicar a vida de todos os personagens, em uma cama de gato complexa que deixa o público vidrado do início ao fim.
Desde o primeiro frame, Ozark consegue manter um tom opressivo, seja pela sua fotografia predominantemente cinza, pelas próprias situações criadas ou pela própria cidade, que apresenta um tom bucólico que combina perfeitamente com toda a corrupção vista na tela. Em nenhum momento achamos a situação de Marty exagerada ou menos grave do que parece e toda a violência da série deixa a audiência tensa. O roteiro é redondo, às vezes um pouco previsível, mas consegue manter um ritmo crescente. Aparentemente criada para ser maratonada, a série apresenta ganchos de maneira que fica difícil largar a trama na metade.
Desde que Tony Soprano apareceu em Família Soprano para nos fazer torcer por um anti-herói, a televisão investe neste tipo de protagonista. Em Ozark não é diferente. Marty é corrupto e escolhe este lado sem pressão. Não há doença, sua mulher não precisa ser operada, seus filhos estão bem. A lavagem de dinheiro começa por pura ganância. Mesmo assim, não apenas torcemos para que ele consiga salvar sua pele como ainda somos apresentados a uma didática aula de como lavar dinheiro e como o tráfico de drogas pode ter salvado os Estados Unidos do colapso financeiro em 2008. Em algumas momentos a série até força a mão com alguns diálogos expositivos demais ou com algumas frases de efeito, mas o roteiro é esperto o suficiente para fazer com que os personagens se tornem sobreviventes, o que faz a gente se importar com cada um deles.
Quase todos os personagens são bem construídos. Marty não é canastrão nem tenta pagar de grande chefe, mas utiliza de seus conhecimentos em finanças para manipular quem quer que seja utilizando o poder do dinheiro. Ponto para Jason Bateman, que tenta se desvincilhar de seu tom cômico criando um personagem carismático, ainda que às vezes não consiga passar todo o desespero que a história exige. O ator, aliás, assina a direção de alguns episódios e da produção executiva.
Já Laura Linney é um verdadeiro presente para o público ao interpretar uma esposa frustrada com o casamento, mas jamais ingênua ou reticente em relação às atividades do marido. Juntos, formam um casal interessante com uma dinâmica que pode durar bastante tempo, caso o roteiro ajude. Os coadjuvantes também seguram bem a subtrama, especialmente Julia Garner, que interpreta a filha de um criminoso e apresenta uma personagem complexa e cheia de conflitos.
Por outro lado, a série erra um pouco em determinados plots, como o do agente do FBI, que é até interessante no começo da história, mas depois vai perdendo a força quando o roteiro insiste em nos dizer como ele é o clássico agente perturbado e doente. Há algumas cenas que só servem para enganar o público, como a de uma personagem tentando o suicídio num lago ou de um homem matando um bebê.
O roteiro também é um tanto quanto didático em alguns pontos, especialmente quando insere alguma fala expositiva demais, o que acusa uma falta de sutileza dos roteiristas, já que dessa forma nós conseguimos antever as ações dos personagens.
Mas mesmo com uma pequena falta de requinte em seu texto, Ozark funciona perfeitamente como um thriller nervoso e que nos faz vibrar em frente à TV, garantindo ótimos momentos, do tipo daqueles de sentar na ponta do sofá e segurar a respiração. Com cada episódio iniciando com símbolos que dão pistas do que vai ocorrer no episódio, Ozark utiliza recursos básicos do suspense e se mostra uma grata surpresa este ano.
Em tempo, a Netflix já confirmou uma segunda temporada.