Existem séries que são consenso entre os telespectadores, seja para o amor ou para o ódio. Enquanto isso, outras vivem à margem deste cenário, cativando um pequeno e fiel público, sem nunca entrar no radar da grande audiência. Volta e meia um desses programas chama a atenção, seja por uma boa atuação, uma linguagem inovadora, um roteiro interessante ou mesmo um argumento peculiar. E é neste grupo de shows que se encontra a série de comédia Haters Back Off.
Muita gente torceu (e ainda torce) o nariz quando descobre que a série é escrita e estrelada por uma youtuber, a norte-americana Colleen Ballinger, que no YouTube atende por Miranda Sings, a mesma personagem protagonista de Haters Back Off (o bordão de Miranda em seu canal batiza o programa).
Em tempos de sucessos meteóricos, o grande charme da série estrelada por Colleen Ballinger é, justamente, fazer uma caricatura do que compõe este universo pré-fama.
A própria Miranda é caricatural, uma união de diferentes estereótipos do universo digital, no caso específico da personagem, do mundo gigantesco dos youtubers. Batom vermelho preenchendo muito mais que sua boca, numa espécie de maquiagem de palhaço; sobrancelhas desenhadas em forma de arco a ponto de remetarem a personagens de desenho animado; a ausência de talento acompanhada da soberba negação do fato.
Qualquer leitor que tenha por hábito acompanhar as dinâmicas das redes sociais vai logo identificar alguém que se encaixe neste mesmo padrão. E é aí que se esconde a beleza do show, principalmente por ter migrado da internet para a TV, onde a mensagem é amplificada e ganha contornos mais críticos – tudo, é óbvio, age no subtexto de Haters Back Off.
Miranda é uma adolescente socialmente desajustada, que vive o delírio de ser famosa às custas de um talento inexistente. O seriado apresenta alguns pequenos problemas que todo produto que migrou da internet para a TV apresentou até hoje. Enquanto o YouTube é orgânico e menos rígido, a TV exige um formato maior e com uma espinha dorsal, um contexto que norteia o programa – e dá sentido ao que vemos na tela. Sob este aspecto, Haters Back Off tem menos apelo que o canal do YouTube (que existe já há longos oito anos).
O show segue a trajetória das comédias inteligentes. Por isso, não espere que ela lhe arranque grandes risos.
Enquanto a própria estética dos conteúdos amadores parece fazer maior sentido na internet, na TV ela se perde na necessidade de expandir a vida da personagem. A opção encontrada foi nos levar à cozinha da vida de Miranda, ou seja, o que está por trás do próprio canal na rede social de vídeos. Nisso entra a mãe hipocondríaca; o tio imaturo que acredita no talento da sobrinha (e em fazê-la uma grande estrela sendo seu empresário); a irmã “normativa” e verdadeiramente talentosa, que sente vergonha de sua família e é constantemente prejudicada por ela; o amigo também socialmente desajustado e apaixonado por Miranda.
O show segue a trajetória das comédias inteligentes (como a ótima Broad City, por exemplo). Por isso, não espere que ela lhe arranque grandes risos. É o ego de Miranda, a complexidade de suas relações com o mundo e consigo, sem contar as inúmeras situações constrangedoras em que se envolve, as chaves do humor de Haters Back Off. Ao transportar o espectador para os bastidores daquele universo fascinante e íntimo (lembremos que para as gerações mais antigas, ainda é um tanto incompreensível o interesse dos jovens pelas vidas dos youtubers, esses “narradores do nada”), a série assume um tom ligeiramente confessional, que também a aproxima vez ou outra do drama – como na tocante forma como a irmã de Miranda, Emily (Francesca Reale), e sua mãe (Angela Kinsey) lidam com os delírios da adolescente.
Talvez não seja de todo errado dizer que a série não é para todos, mas vale dizer que você poderia, ao menos, dar-lhe uma chance. Ela pode ser ridiculamente hilária.