Apesar de esta coluna ser sobre séries, quero começar aqui falando sobre histórias em quadrinhos. Mais especificamente, mangas. Mais ainda, um autor de manga (ou mangaka) específico: Yoshihiro Togashi. Tendo alcançado enorme sucesso nos anos 90 com a série Yu Yu Hakusho, Togashi foi um dos responsáveis por revelar novos potenciais dos mangas que viriam a ser explorados à exaustão na mesma década, seja na forma como representa cenas de ação, na construção de seus personagens, ou na sua mistura particular de artes marciais e fantasia.
Após terminar com Yu Yu Hakusho, porém, Togashi conseguiu um feito notável: criou outra série de manga ainda mais popular e influente. Esta série é Hunter x Hunter (não se pronuncia o x), que teria não apenas uma, mas duas adaptações para a televisão, uma em 1999 e a outra em 2011. Assisti as duas, e é sobre a primeira que escreverei esta semana.
As lutas não tiram o foco da história; pelo contrário, a complementam, explorando as habilidades dos personagens da mesma forma como um jogo de xadrez explora os movimentos das peças.
Apesar de ambas as versões estarem em diversas listas de melhores animes de todos os tempos, Hunter x Hunter serve quase como uma divisória entre os que assistem animes casualmente e os verdadeiros fãs do estilo. Curioso, pois são muitos que subestimam esta série e preferem assistir animes como One Piece, Naruto e Bleach, apesar de todos estes terem sido inspirados, em maior ou menor grau, justamente em Hunter x Hunter.
Ambientado em um mundo fantasioso, a história gira em torno de um garoto chamado Gon, que logo no primeiro episódio encontra um homem que diz conhecer seu pai, que Gon achava que estava morto. A verdade é que o pai de Gon é um “Hunter”, um profissional com licença para ir atrás de qualquer coisa que seja rara, desconhecida e/ou perigosa. Não apenas isso, como ele é um dos maiores Hunters do mundo, logo quase impossível de rastrear.
Ao invés de se intimidar com a descoberta, Gon fica empolgado, e decide tornar-se também um Hunter apenas para assim encontrar seu pai. Para isso, ele precisa passar por um rigoroso exame. Ao longo do caminho, ele faz amizade com três outros aspirantes a Hunter: Leorio, Kurapika e Killua, que após pequenas desavenças iniciais decidem se ajudar mutuamente em seus objetivos pessoais.
Mais até do que o manga, a série de Hunter x Hunter foi bem influente na forma como mistura ação, aventura e fantasia de forma semelhante aos animes clássicos do gênero shonen, porém com uma maior maturidade e realismo, focando-se principalmente no desenvolvimento dos personagens e em suas personalidades, para então mostrar como isso afeta as lutas em que eles se envolvem. Com isso, a série ajudou o público a lembrar que animes shonens podem ser divertidos sem deixar de ser sérios, e que ação e comédia podem se misturar muito bem, uma vez que, na mesma época, a indústria de animes estava ficando saturada de melodramas angustiantes, em muito influenciada pelo então recente sucesso de Neon Genesis Evangelion, o rei dos shonens dramáticos e angustiantes.
Isso não quer dizer, porém, que esta adaptação de Hunter x Hunter não seja perceptivelmente um produto de seu tempo, e isso se nota bem em seu tom visual: Como boa parte dos animes do final dos anos 90, a série usa uma paleta de cores mais escura que a de animações mais antigas – e também atuais -, em uma tentativa de com isso alcançar um visual mais realista e épico; porém, como consequência, a série acaba também tendo um tom levemente sombrio que, dependendo do episódio, combina pouco com a história que está tentando adaptar.
Mais do que isso, é preciso levar em consideração que quando a primeira adaptação de Hunter x Hunter estreou, o manga ainda estava no começo de sua publicação. Algo normal na época, mas como consequência, o ritmo da série tinha que ser devagar o suficiente para não passar na frente da publicação e a produção ser obrigada a criar episódios descontextualizados do manga. Traduzindo: a produção teve que encher linguiça para não ter que encher linguiça. O que fica evidente na hora de assistir. Até eu, que adoro esta adaptação, confesso que os primeiros episódios são um tanto chatinhos, tendo pouquíssima ação e dando a impressão de que a história vai seguir por um caminho mais convencional do que ela de fato segue.
Mas, antes que você considere dispensar esta série sem sequer dar-lhe uma chance, apenas digo que, após um tempo, ela melhora e se torna mais envolvente, até ficar realmente grandiosa e se perceber o porquê é considerada um dos melhores animes de todos os tempos. Tem um pouco de tudo que uma boa série deve ter, e as relações entre os personagens, principalmente suas amizades, são exploradas de forma bastante complexa. Sem falar nas lutas, que não tiram o foco da história; pelo contrário, a complementam, explorando as habilidades dos personagens da mesma forma como um jogo de xadrez explora os movimentos das peças.
Quando a série foi cancelada, ficou ainda faltando adaptar o mais longo – e talvez o melhor – dos arcos do manga. Este trabalho, contudo, seria responsabilidade da segunda adaptação, em 2011, com um novo estilo visual e narrativo…