No 17º episódio da sexta e derradeira temporada da série norte-americana This Is Us, intitulado “O Trem”, exibido semana passada, a matriarca da família Pierson, Rebecca, interpretada pela atriz e cantora Mandy Moore, está no leito de morte, após um longo e doloroso embate com a doença de Alzheimer.
A ação se desenrola em dois planos. Enquanto todo o clã se reúne para se despedir, um a um, de Becca, ela, já inconsciente, está a bordo de um trem e, à medida em que passa de vagão em vagão, também se vê diante de todos que amou durante a vida. É impossível não se emocionar.
Desde seu lançamento, em 2016, This Is Us conquistou espectadores ao redor do mundo com a história de uma família como tantas, mas ao mesmo tempo única: gente comum, ordinária até, em situações de vida extraordinárias.
O ponto de partida da série, um dos maiores sucesso de audiência na história recente da tevê aberta nos Estados Unidos, é o nascimento dos três filhos de Rebecca e seu marido, Jack Pearson (Milo Ventimiglia), que se casam algum tempo depois de ele retornar da Guerra do Vietnã.
Becca é uma jovem de personalidade forte, filha de uma família de classe média alta da Costa Leste americana. Jack, de origem menos abastada, trabalhadora, traz em sua história pessoal vários traumas, como o pai alcoólatra, abusivo, e a suposta morte do irmão mais novo no campo de batalha no Sudeste Asiático.
Desde seu lançamento, em 2016, ‘This Is Us’ conquistou espectadores ao redor do mundo com a história de uma família como tantas, mas ao mesmo tempo única.
Casados há pouco, enfrentando dificuldades financeiras, Jack e Becca ficam grávidos de trigêmeos e, após um parto muito difícil, durante o qual Rebecca quase perde a vida, nascem Kevin e Kate. O terceiro bebê não sobrevive.
Neste mesmo dia, em outro ponto da cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, uma mulher negra, dependente química, dá à luz a um menino, que, horas mais tarde, é deixado em frente a um quartel do Corpo de Bombeiros, para depois ser encaminhado à maternidade onde os gêmeos vieram ao mundo. Ele será adotado pelos Pearson, que lhe batizarão de Randall.
Questão racial
Criada por Dan Fogelman durante o governo do presidente democrata Barack Obama, This Is Us tem uma proposta ousada: reinventar a tradicional família nuclear norte-americana, a tornando, por obra do destino, ou do acaso mesmo, multi racial, fazendo com que todos ao redor de Randall – pais, irmãos, avós e amigos da família – sintam, ou ao menos vejam muito de perto, a experiência de ser negro em um país racista como os Estados Unidos. Não é pouco.
Mas essa não é a única ousadia da série, muito pelo contrário. Ao longo de suas seis temporadas, a história dos Pearson é contada de forma não linear. Por meio de narrativas paralelas, que se sobrepõem na cabeça do espectador, por meio de idas e vindas no tempo.
Acompanhamos, dessa forma, a saga da família, a vida de Jack, Becca e de seus três filhos, na infância, adolescência e idade adulta, simultaneamente. Essa estratégia é fascinante, porque podemos compreendê-los e suas atitudes com muito maior profundidade.
Os três
Vivido com maestria pelo excelente Sterling K. Brown, que venceu o Emmy em 2017 por sua atuação em This Is Us, Randall é um personagem fascinante, complexo. Desde a infância muito sério, compenetrado mesmo, ele se torna o filho mais próximo de Becca, com quem tem uma linda relação de cumplicidade, muito abalada quando ele descobre, já adulto, quando é pai de família, que a mãe conheceu seu pai biológico, William (Ron Cephas Jones, também vencedor do Emmy por sua atuação) e jamais lhe falou a respeito desse encontro.
O arco dramático de Randall é incrível. Passa, por exemplo, pela intensa história de amor com Beth (Susan Kalechi Watson), outra personagem muito carismática da série; pela adoção de uma filha, Deja (Lyric Ross), adolescente em situação de vulnerabilidade, em quem Randall se espelha; por um mergulho na turbulenta história de seus pais biológicos; e, por fim, pela busca de um sentido da vida, ao investir na política. E isso é só um resumo.
Kevin Pearson, interpretado por Justin Hartley, é, desde a infância uma espécie de extremo oposto de Randall. Impulsivo e vaidoso, torna-se astro de televisão, famoso por uma sitcom, The Manny, que depende mais de sua aparência física, de seus músculos, do que do seu talento dramático.
Desde a infância, Kevin tem muito ciúme de Randall, porque não se identifica com o irmão, melhor aluno e mais próximo dos pais do que ele, que cresce instável emocionalmente e com propensão ao alcoolismo, herdada do pai. Jack.
Seu arco passa por muitos relacionamentos amorosos malsucedidos, por altos e baixos na carreira artística, e, também por uma maturidade que insiste em lhe escapar pelos dados, ainda que ele sempre conte com a proteção da irmã.
Kate (Chrissy Metz), a única menina do trio, é, desde a infância, frágil e insegura, características que se acentuam com a trágica morte de Jack, grande ponto de virada da trama e da vida dos Pearson.
Muito próxima do pai, ela se sente responsável pelo trágico incêndio que lhe tirou a vida e, a partir da tragédia, começa a comer compulsivamente e a ganhar mais e mais peso. Vítima de abuso em um relacionamento na adolescência, ela sonha em se tornar cantora, como a mãe, mas demora muito para, enfim, se encontrar emocional e profissionalmente.
É muito tocante sua história de amor com o primeiro marido, Toby (Chris Sullivan), outro coadjuvante que por vezes rouba a cena na série.
Melodrama
Sem qualquer pudor de investir no tom melodramático, This Is Us é assumidamente feita para fazer chorar. Consegue, no entanto, um feito notável: desviar da pieguice, do sentimentalismo vazio. As vastas emoções que a série nos entrega são muito bem construídas dramaticamente, e (quase) nunca gratuitas.
Todas têm sua razão de ser e, por conta da estrutura narrativa da série, de suas idas e vindas no tempo, em que se estabelecem paralelos entre passado, presente e futuro. Compreendemos e nos identificamos com as motivações dos personagens, seus conflitos, perdas e danos. Ao fim dessa incrível jornada de seis anos de série e décadas de vida, é impossível não se importar com eles.
Vai ser difícil viver sem os Pearson.
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