Tina Fey fez (e faz) algo muito elogiável na televisão norte-americana, e que acaba por reverberar no restante do mundo. A atriz, comediante, produtora e roteirista trabalha o humor como poucos na atualidade, forçando constantemente seus limites sem subestimar o público e tampouco recorrendo a táticas do humor mais antigo. Muitos dos seus trabalhos são responsáveis por evidenciar como já não há mais tanto espaço às comédias tradicionais, que dominaram especialmente os anos 90 na TV norte-americana, mas também estiveram na liderança em parte da primeira década deste século ainda recente.
Não obstante, parece que a própria Fey precisa colocar na balança a última temporada de Unbreakable Kimmy Schmidt, avaliar os prós e contras e perceber que é possível fazer melhor. A segunda temporada da série original da Netflix é uma pérola dessa nova fase do humor televisivo. Com maestria, episódios musicais, uma trama intensa, sarcástica e ao mesmo tempo crítica, Unbreakable Kimmy Schmidt parecia trilhar o rumo do infinito. O segundo ano do seriado havia tirado de campo os resquícios de um produto anteriormente desenvolvido para uma emissora de TV aberta (Fey tinha um acordo de exibição com a NBC, que posteriormente desistiu de exibi-la), e ampliado seu leque de qualidades.
Acontece que a terceira temporada, exibida no primeiro semestre deste ano, deixou um sabor agridoce no público. Mesmo tendo feito o público rir, a série ofereceu uma porção de “mais do mesmo” à audiência. Depois de um ano com tanta liberdade criativa, a sensação é que a equipe de roteiristas tropeçou e caiu em um limbo, dando alguns passos atrás nas conquistas.
Veja bem, o texto de Tina Fey segue com piadas bem encaixadas e diálogos inteligentes, que não esnobam e muito menos subestimam a audiência; seu elenco ainda é um dos mais entrosados e hilários das séries de comédia em exibição na atualidade. O problema, talvez, tenha sido esquecer quem é o centro do programa, tornando Kimmy um elemento secundário à trama. Não por outra coisa, os arcos e plots direcionados à personagem soam mal resolvidos, quando não inverossímeis.
No ano anterior, Kimmy (Ellie Kemper) se esforçava em obter o GED (uma espécie de supletivo) como forma de seguir sua vida como uma adulta, ao passo que lutava ardentemente com a raiva que nutria pelo que havia lhe acontecido. Todo esse olhar reflexivo de Kimmy some na nova temporada, que leva a protagonista para os bancos da faculdade, com um forte apelo crítico, mas sem muitas conexões com a própria personagem. Tina Fey prefere fazer piada das novas gerações, do neoliberalismo (e, sim, dos millenials), mas algo sem muitas camadas de relação com Kimmy (retire ela e insira qualquer outro personagem e o desenvolvimento se daria da mesma forma).
Tina Fey prefere fazer piada das novas gerações, do neoliberalismo (e, sim, dos millenials).
Mesmo Titus (Tituss Burgess) e Lilian (Carol Kane), anteriormente importantíssimos à trama, agora parecem sucumbir aos seus próprios anseios. Enquanto Titus segue a dificuldade da carreira e tem um mergulho existencial para entender o amor (em especial o amor-próprio), Lilian sucumbe à gentrificação, mostrando que as forças políticas são movidas por interesses maiores. Para Titus, o fim do relacionamento com Mikey (Mike Carlsen) representa muito pouco, agindo mais como subterfúgio para que ele se mantenha como companheiro de quarto de Kimmy.
Quem nesta temporada tem o melhor aproveitamente é Jacqueline White (Jane Krakowski), que segue a batalha de sua família de origem indígena contra os Snyder, proprietários dos Redskins. Contudo, até que o seu momento chegasse, David Cross (Arrested Development) e Josh Charles, respectivamente noivo e cunhado de Jacqueline, dominam a tela, travando uma batalha familiar que pouco agrega à série.
Reitero que Unbreakable Kimmy Schmidt não está em maus lençóis, principalmente porque o carisma de Kemper é inegável – e inesgotável, ao que tudo indica. Mas deixa uma sensação de que chegou a hora de dar uma chacoalhada na dinâmica do programa. Com uma quarta temporada garantida, esperemos que isto venha a acontecer.