Algumas obras visam mostrar o melhor das pessoas, superações, conquistas. Já outras, abrem nossos olhos para as mazelas e desigualdades que criamos ao longo dos séculos – a ponto de pensarmos se a humanidade não foi um grande erro. The White Lotus está bem mais alinhada com essa segunda categoria.
Criada, dirigida e escrita por Mike White (roteirista de filmes como Escola de Rock), The White Lotus é um drama original da HBO Max que ressalta as desigualdades sociais nas ações tênues de hóspedes em um hotel luxuoso no Havaí. A história também se mistura com comédia e um leve toque de terror social, incluindo uma morte inicialmente misteriosa – na primeira cena, descobre-se que um corpo está embarcando no avião de volta com os demais hóspedes. Inicia-se aí o dilema de quem matou e quem foi morto.
The White Lotus gira em torno de três eixos principais. Mais precisamente, três famílias disfuncionais. Os Mossbacher são formados pelo casal Nicole (Connie Britton) – uma mãe viciada em trabalho que acredita que “todas as vidas importam” – e Mark (Steve Zahn) – um homem adulto cheio de autopiedade – além dos filhos “aborrecentes” Olivia, que personifica o estereótipo de geração Z que julga as ações dos outros e mazelas do mundo mas não arruma a própria cama, e Quinn, um jovem introvertido e viciado em tecnologia. Junto deles há Paula (Brittany O’Grady), uma amiga que Olivia convidou para passar as férias com eles, tudo às custas de seus pais, é claro.
O seriado escancara o funcionamento colonialista de grandes redes internacionais, que utilizam a mão de obra local a salários baixos e a cultura nativa de entretenimento para os hóspedes – que são, em sua maioria, estrangeiros ricos e brancos.
Já Shane (Jake Lacy) e Rachel (Alexandra Daddario) estão em lua de mel, mas o casamento parece já ter começado em dúvidas. Ele é um típico playboy que não entende a necessidade da namorada de querer independência financeira, e ela, uma moça de origem humilde que tem dúvidas sobre sua carreira como jornalista. Por fim, Jennifer Coolidge interpreta a excêntrica Tanya Mcquoid, uma solteirona carente de atenção e emocional abalado que utiliza Belinda (Natasha Rothwell), uma das massagistas do hotel, como seu suporte emocional.
As interações dos três núcleos se ligam sobretudo através de Armond (Murray Bartlett), gerente do hotel White Lotus e que não poupa esforços para criar situações desconfortáveis entre os hóspedes ricos e mimados, gerando diálogos no mínimo “cringe”.
Apesar de The White Lotus ser construída em cima de um assassinato, o verdadeiro foco está nos dilemas sociais e no terror psicológico dos personagens, tudo isso envolto em uma camada brilhante de humor ácido. O seriado também não poderia deixar de ser uma experiência incômoda, já que podemos nos reconhecer em certas ações dos personagens (principalmente para quem já teve a experiência de ficar em um resort).
The White Lotus se passa no Havaí, mas poderia muito bem se passar em algum resort tropical no Caribe, nas Maldivas ou mesmo no Brasil. O seriado escancara o funcionamento colonialista de grandes redes internacionais, que utilizam a mão de obra local a salários baixos e a cultura nativa de entretenimento para os hóspedes – que são, em sua maioria, estrangeiros ricos e brancos.
É impossível deixar de fazer uma analogia de The White Lotus com o filme sul-coreano Parasita, de Bong Joon-ho. O uso de funcionários como muletas, a falta de empatia e uma separação latente entre “nós” e “eles” junto as duas obras em uma sociopatia nua e crua.
Por fim, a série da HBO Max é um emaranhado de dramas que se engolfam em um tsunami de mentiras, ressentimentos e discussões que colocam toda a atmosfera paradisíaca e relaxante em xeque. Um caos harmônico que vale a pena ser refletido.
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