Pouco conhecida do grande público, a série The Affair, do canal Showtime, é uma pequena pérola no rol das narrativas de televisão – em especial, por sua estrutura provocativa, que busca problematizar as dificuldades de se encontrar a “verdade” dentro da dinâmica dos relacionamentos. A série gira em torno de todas as consequências, práticas e emocionais, do caso extraconjugal entre Allison (Ruth Wilson) e Noah (Dominique West), e de todos os desdobramentos em torno das muitas vidas que circundam a dupla.
Desta premissa surgiram três temporadas – algo bastante imprevisto, pois a especificidade da ideia inicial não sugeriria talvez grande longevidade à série –, que buscaram ampliar os dramas em torno de quatro pessoas (além de Alison e Noah, os protagonistas são seus cônjuges, Helen e Cole). Vários temas, portanto, se seguiram à história, com melhor ou pior execução no roteiro: a questão da criação dos filhos, o sucesso e o fracasso profissional, a sobrevivência ao luto, a compulsão sexual e a carência emotiva, e mesmo questões de saúde mental (a esquizofrenia de Noah, tema da terceira temporada, não é retomada agora na quarta).
Tudo isto coloca um cenário difícil à quarta e penúltima temporada de The Affair, que parecia não ter mais nada a explorar depois de tantos dramas. Mas este é um ledo engano: quando talvez não esperássemos nada da trama, eis que ela sugere que há ainda muitos conflitos a serem explorados em torno dos sofridos personagens, todos ainda imersos em uma nuvem de infelicidade que parece difícil de dissipar.
Nesta quarta temporada, no entanto, a marca é a da tragédia. Todos, em alguma medida, confrontam-se com questões extremamente duras, envolvendo a morte (literal e metafórica) e as possibilidades de viver a partir de tantas perdas – o plot original de The Affair, é bom lembrar, gira em torno da morte de Gabriel, filho de Alison e Cole (Joshua Jackson), e a impossibilidade de obter redenção a partir de uma desgraça tão irremediável.
Esta temporada é de Alison, que aqui se confronta com toda a sua tragicidade. Personagem extremamente complexa (e encarnada com impressionante coragem por Ruth Wilson), Alison é agora forçada a encarar todos os seus demônios.
Helen (Maura Tierney) enfrenta o seu inferno particular, após mudar-se para a Califórnia com Vic (Omar Metwally), que funcionou de “estepe” à perda do marido Noah e acabou se convertendo, meio por inércia, em seu novo companheiro. Ela é convocada aqui a testar o seu amor pelo desafortunado médico, que também não tem boas notícias nessa temporada. Cole está em confronto com seu passado (por meio do resgate da história do pai) e com seu presente (reconhece, após muitos desencontros e muito sofrimento, que o seu amor por Alison ainda resiste). Sendo assim, ele precisa lidar com o incontornável fracasso de seu casamento com Luisa (Catalina Sandino Moreno).
Noah talvez seja o único que tem uma espécie de folga nesta temporada. Também residindo na Califórnia, ele tem uma trama paralela no colégio em que passa a lecionar, ao se envolver com um adolescente rebelde, Anton (Christopher Meyer) e sua mãe, Janelle (Sanaa Lathan). A subtrama envolvendo esse trio, que discute desigualdade social e racismo, é interessante mas parece se perder nas outras linhas que The Affair percorre, com maior ênfase.
Mas, de fato, esta temporada é de Alison, que aqui se confronta com toda a sua tragicidade. Personagem extremamente complexa (e encarnada com impressionante coragem por Ruth Wilson), Alison é agora forçada a encarar todos os seus demônios: o seu aspecto sedutor (involuntário?), sua vocação à destruição familiar e a tendência a atrair abusos de toda espécie. Em busca de finalmente obter amadurecimento – e, quiçá, redenção – ela irá descobrir duras verdades, e enfrentar os limites de sua própria sanidade (como fez Noah, na temporada anterior). Mas, diferente de seu ex-marido, os resultados não são positivos – e é aqui, nas descobertas de Alison, que a quarta temporada se torna devastadora, e mostra não ter dó do espectador.
Em suma, é uma temporada de qualidade, melhor que a anterior, ainda que tenha alguns lapsos – especialmente no que diz respeito a pontas soltas, de subtramas não desenvolvidas, como a suspeita de Noah e Helen de que um dos seus filhos pode ser gay, e o problema de imigração envolvendo Luisa (que, infelizmente, tem pouco espaço). Ela se encerra deixando um gosto amargo na boca e uma curiosidade: como, por fim, os roteiristas de The Affair vão encerrar o ciclo da série em sua derradeira temporada, principalmente depois de episódios tão avassaladores? Teremos esta resposta apenas em 2019.