É bem verdade que, por algum tempo, vivemos uma era de ouro na televisão aberta norte-americana, especialmente nos anos 1990 e começo dos anos 2000. Seinfeld (1989-1998), considerada a melhor comédia da história, ainda faz rir; Arquivo-X (1993-2002), uma febre na época, continua atual com seus roteiros frescos; Minha Vida de Cão (My So Called-Life, 1994-1995), embora não tenha feito sucesso, se tornou uma das produções mais elogiadas da década; em 1990, Barrados no Baile (ou para os íntimos, Beverly Hills, 92010), inaugurou o festival de clichês que apareceriam em dezenas de outras séries adolescentes por anos a fio; Twin Peaks (1990-1991) simplesmente quebrou com todas as regras de como se fazer uma série, tendo forte influência em produções recentes; Anos Incríveis (1988-1993) durou seis temporadas e está no imaginário de muita gente que acompanhou a vida de Kevin Arnold; Buffy, a Caça-vampiros (1997-2003) ganhou status de série cult devido a seus roteiros e diálogos inteligentes.
A falta de criatividade grita mais forte a cada anúncio de remake, reboot, minissérie ou qualquer outro projeto disfarçado de novo, mas que na verdade é uma tentativa desesperada de lucro e um saudosismo entediante para reviver uma época em que não existia Netflix.
Na década de 1990, a televisão era, talvez, a principal fonte de entretenimento. Assim, em uma época em que não existiam internet, celulares, tablets e Netflix, sentar para assistir a um programa era quase como um ritual, algo sagrado, familiar. Acompanhar um novo episódio de Plantão Médico (ER, 1994-2009) nos Estados Unidos era coisa séria, com uma média de 30 milhões de pessoas em suas primeiras temporadas. Friends (1994-2004) era ininterruptamente a comédia mais vista toda a semana. As noites de domingo se tornaram mais divertidas com uma família amarela intitulada Os Simpsons (1989, no ar até hoje).
Programas ditavam moda e os canais abertos sabiam de suas minas de ouro. Mas, sorrateiramente, o canal a cabo HBO começou a incomodar. Em 1997, lançou Oz, sua primeira série dramática de uma hora de duração, que mostrava o cotidiano de uma prisão de segurança máxima. No mesmo ano, um grupo de mulheres falando sobre sexo se tornaria uma da produções mais importantes e relevantes da cultura pop (Sex and the City). Mas foi em 1999 que os canais abertos começaram a perceber que algo estava acontecendo. Após a estreia de Família Soprano (The Sopranos), a HBO começou a figurar fácil nas indicações ao Emmy. Em suas seis temporadas, a série recebeu 111 indicações ao prêmio Emmy, levando 21 troféus – dois deles por melhor série. Em 2001 estreou Six Feet Under, que levou o Emmy de melhor série logo em sua estreia. No ano seguinte, em 2002, estrearia The Wire, que embora não tenha tido uma audiência significativa, foi sucesso de crítica durante suas cinco temporadas.Mas a TV aberta ainda teria um sopro de genialidade. Dois meses após os atentados terroristas de 11 de setembro, a FOX daria ao público americano um novo herói: Jack Bauer. 24 Horas (24) mostrava um dia na vida de Jack (interpretado por Kiefer Sutherland), tentando evitar o terrorismo em solo americano em tempo real. Com um relógio na tela que se tornaria icônico e com um argumento original, o programa se tornaria um dos mais importantes do começo dos anos 2000, visto que a população americana vivia em pânico e paranoia com um possível novo ataque. Foi, enfim, uma série necessária. Em 2004, Lost se tornaria um fenômeno igual ou bem maior do que Game of Thrones é hoje. Ainda tivemos programas brilhantes como House, Desperate Housewives, Grey’s Anatomy e Veronica Mars, que fizeram da TV aberta um lugar interessante. Um tempo bom que não voltou mais.
Atualmente, a TV aberta americana vive uma crise que parecia restrita apenas ao cinema hollywoodiano. A falta de criatividade grita mais forte a cada anúncio de remake, reboot, minissérie ou qualquer outro projeto disfarçado de novo, mas que na verdade é uma tentativa desesperada de lucro e um saudosismo entediante para reviver uma época em que não existia Netflix. Por mais que seja bacana rever Twin Peaks (que dourou apenas duas temporadas) ou Fox Mulder e Dana Scully em uma nova leva de episódios de Arquivo-X, esses projetos só escancaram a dificuldade de produtores em entender como se faz televisão atualmente. Assim, apelam para telespectadores antigos, com estratégias primárias para fisgar uma audiência que não será, nem de longe, tão expressiva ou relevante como foi originalmente.Para se ter uma ideia da agonia dos canais, somente esse ano foram anunciadas mais de dez séries antigas que retornarão à TV, e essas séries vão desde Teletubbies aos Muppets. Semana passada foi anunciado que Um Maluco no Pedaço (Fresh Prince of Bell Air, 1990-1996) pode retornar e 24 Horas pode ganhar uma nova temporada sem Jack Bauer (algo que não faz o menor sentido). Heroes (2006-2010) está prestes a estrear como minissérie, uma volta que não tem motivo para existir, já que a série terminou com uma audiência risível, esculhambada pela crítica. Séries de super-heróis, então, viraram a mina de ouro de todos os canais, sempre contando a origem, a infância, a adolescência ou outro argumento que fisga um público cada vez mais jovem, os mais interessante em termos de lucro para os canais.
E toda essa crise criativa não aparece somente nos remakes. A tentativa frustrada de criar séries que sejam “a nova Lost” (ou qualquer outra série de sucesso) acaba criando produtos que insultam até os públicos menos exigentes, como o foram os casos de Flash Forward, The Event e as completamente esquecíveis The Nine e Hostages, que tentavam usar a fórmula de pessoas que não se conhecem e se cruzam por meio de uma tragédia + mistério + segredos. É tanta junção de elementos de outras séries que deram certo que os roteiristas tentaram vender algo que parecia ter complexidade, mas que, na verdade, não passaram de execuções fracas que não convenceram muita gente. E assim tenta-se, a cada ano, achar um novo fenômeno mundial.
Só que, afinal, a culpa não é somente de produtores. A preguiça do público médio americano é um problema tão grave quanto roteiros sem criatividade. Séries canceladas precocemente como Hannibal, Awake e mais antigas como Firefly e Veronica Mars, mostram que há vida inteligente na televisão aberta, mas que, talvez, boa parte do público (necessário para a rentabilidade das emissoras) não esteja disposto a comprar essa ideia. Por outro lado, as comédias de 30 minutos, por exemplo, vão indo muito bem, obrigado, especialmente as que tem um roteiro muito parecido com as produções dos anos 90, como Modern Family e The Big Bang Theory, sucesso absoluto há anos e que escondem algo inovador, mas que na verdade repetem piadas velhas de uma forma nova.
Parece que aquele velho hábito de sentar no sofá e consumir um produto com calma já não existe mais. Da mesma forma, reality shows e séries procedurais (histórias com começo, meio e fim em todos os episódios, estilo CSI) não enfrentam problemas graves de audiência. Em tempos em que não se aguenta ver um vídeo do YouTube com mais de 4 minutos sem perder a paciência, acompanhar séries que dispensam um tempo para apresentar seus personagens de forma mais complexa e com situações menos fáceis não parece muito atrativo. Os executivos, no fim, acabam tendo razão.
Mas é claro que isso é visto quase que somente na televisão aberta, já que os canais a cabo andam, cada vez mais, instigando uma audiência que pede mais. Assim, HBO, Showtime, AMC e Netflix acabam sendo o refúgio de um público que procura aliar entretenimento com qualidade. Esses canais justificam e exemplificam que a televisão não é e nem deve ser um produto cultural renegado ou menos merecedor do que o cinema ou a literatura, com projetos que, sim, ainda buscam uma audiência sólida e precisam dela, mas que não subestimam e nem esperam menos de seus espectadores.
Já os produtores de canais abertos parecem encontrar certa dificuldade em continuar alimentando um público que não migrou para a TV a cabo, ao mesmo tempo em que também não aceita produtos medíocres. Infelizmente, dando uma olhada rápida nas estreia das novas séries dos canais esse ano, que acontece em setembro, parece que teremos mais uma temporada de séries fracas e cancelamentos iminentes. A HBO agradece.