A imagem de Ben Stiller está profundamente ligada à comédias escrachadas. É curioso vê-lo protagonizando (e dirigindo) uma história com tons bem mais dramáticos e profundos que o habitual, como é o caso de A Vida Secreta de Walter Mitty, um filme de 2013 que tem suas qualidades para ser revisitado.
O personagem do título é um cara de meia idade que usa e abusa da fantasia como antídoto para a mediocridade da própria vida. Ironicamente – ou nem tanto –, ele trabalha em uma revista chamada Life (“vida”, em inglês). É o encarregado de cuidar dos negativos das fotografias da revista, em uma época na qual as imagens das publicações ainda eram assim, analógicas, dependendo dos rolos de filme, dos banhos de prata, das revelações em ambientes escuros.
Para trazer mais “vida” a sua existência, Walter investe em um site de relacionamentos. Diante da dificuldade técnica de dar uma “piscadinha virtual” para sua pretendente, Cheryl Melhoff (Kristen Wiig), Walter liga para o suporte do site. Ironicamente, é provocado pelo atendente a completar seu perfil, uma vez que tópicos do tipo “lugares interessantes que já visitou” ou “coisas fantásticas que já realizou” estão em branco e isso é um impedimento para que ele possa, afinal, sinalizar para a pretendente a sua intenção de conhecê-la melhor.
Gradualmente, Walter vai enriquecendo seu “perfil”, sua “existência” no mundo virtual, ao mesmo tempo em que suas aventuras vividas apenas no campo da imaginação começam a dar espaço para aquelas efetivamente vivenciadas no mundo real..
No que se refere à vida profissional, a revista na qual Walter trabalha está em mudança, migrando integralmente do impresso para a plataforma digital. A reestruturação provoca vários cortes e o responsável pelas fotografias compõe o rol de candidatos ao desemprego. Afinal, ele trabalha em uma função altamente analógica que está, simplesmente, sendo “engolida” pela avalanche de mudanças trazidas pela tecnologia. A própria posição geográfica do seu local de trabalho diz muito sobre a sua vida medíocre: Walter trabalha em uma espécie de porão, uma metáfora do submundo onde passa a maior parte de sua vida (ou existência) no trabalho.
Justamente por uma questão envolvendo o trabalho, ele se vê obrigado a viajar para outros países em busca de uma foto misteriosa tirada por seu ídolo, o fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn). Dessa forma, a revista em mudança promove a mudança da própria vida do protagonista. Gradualmente, Walter vai enriquecendo seu “perfil”, sua “existência” no mundo virtual, ao mesmo tempo em que suas aventuras vividas apenas no campo da imaginação começam a dar espaço para aquelas efetivamente vivenciadas no mundo real.
A Vida Secreta de Walter Mitty é baseado em um conto homônimo escrito por James Thurber, em 1939. Como se vê, a releitura feita pelo filme é plantada no contexto desta era profundamente marcada pela internet. E funciona. Não é um filme tão óbvio, ao mesmo tempo em que exige minimamente do espectador a tarefa de garimpar, entre o exotismo, a profundidade e a delicadeza da proposta.
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